terça-feira, 7 de janeiro de 2014

MBE a serviço da indústria farmacêutica: overdiagnosis & overtreatment

Evidence based medicine is broken

BMJ 2014; 348 doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.g22 (Published 3 January 2014)

Excelente reflexão feita por este GP inglês na seção "From the Frontline" do BMJ. Qual será a nova vacina contra "Mongering Diseases"?



Impossível não trazer a reflexão de Spence, General Pratictioner inglês, acerca de como a Medicina Baseada em Evidências, de um novo paradigma da saúde, passou a panaceia, e a seguir a mais uma ferramenta a serviço da indústria farmacêutica.

Leia a tradução do texto:

A Medicina Baseada em Evidências (MBE) deixou a indústria farmacêutica cambaleante por um tempo nos anos 1990. Pudemos afastar o exército de representantes farmacêuticos, porque muitas vezes seu material promocional era desprovido de evidências. Mas a indústria farmacêutica percebeu que MBE era uma oportunidade e não uma ameaça. A pesquisa, especialmente quando publicada em um jornal de prestígio, valia mais do que milhares de representantes de vendas. Hoje a MBE é uma arma carregada na cabeça dos médicos. "É melhor você fazer como a evidência diz" ela sussurra, não deixando qualquer margem para apreciação ou julgamento. A MBE agora é o problema, alimentando o supradiagnóstico (overdiagnosis) e supratratamento (overtreatment).

Perceba, sem as chamadas "evidências" não há lugar na mesa dos guidelines. Este é o "viés de comissionamento” fundamental, o elefante na sala, porque a indústria farmacêutica controla e financia a maioria das pesquisas. Assim, a indústria farmacêutica e MBE puderam legitimar diagnósticos ilegítimos e, em seguida, ampliar as indicações de drogas, e agora os médicos podem prescrever um comprimido para cada doente (“a pill for every ill”). Os bilhões de prescrições anuais na Inglaterra em 2012, um aumento de 66% em uma década, não refletem um verdadeiro aumento da carga de doença nem o envelhecimento da população, apenas polifarmácia supostamente baseada em evidências. A missão corporativa da indústria farmacêutica é fazer-nos todos doente por melhor que nos sintamos. Quanto a programas de rastreio baseados em evidência, estes são os ceifadores combinados de bem-estar, produzindo fardos de supradiagnósticos/ overdiagnosis e ansiedade.

A corrupção em pesquisa clínica é patrocinada pelo clamor de um marketing e promoção bilionário repassado como pós-graduação. Por outro lado, os manifestantes contrários desorganizados, têm não mais que cartazes e um par de canetas de ponta de feltro para transmitir a sua mensagem, e de qualquer forma ninguém quer ouvir pessimistas cansativos.

Quantas pessoas se preocupam com o fato da fonte da pesquisa estar contaminada por fraude, farsas diagnósticas, dados de curto prazo, regulamentação pobre, desfechos substitutos, questionários que não podem ser validados, e resultados estatisticamente significativos mas clinicamente irrelevantes? Os médicos especialistas que deveriam fornecer sua supervisão foram abduzidos. Mesmo o National Institute for Health and Care Excellence e a Colaboração Cochrane não excluem autores com conflitos de interesse que, portanto, têm agendas predeterminadas. A atual encarnação da MBE está corrompida, deixada de lado igualmente por acadêmicos e reguladores.

O que vamos fazer? Devemos, primeiramente, reconhecer que temos um problema. A investigação deve concentrar-se no que não sabemos. Devemos estudar a história natural da doença, investigar intervenções não medicamentosas, questionar os critérios diagnósticos, demarcar a definição de conflitos de interesses, e pesquisar os reais benefícios de medicamentos em longo prazo, promovendo o ceticismo intelectual. Se não resolvermos as falhas da MBE haverá um desastre, mas eu temo que haja um desastre antes que alguém ouça.

Por Des Spence, general practitioner, Glasgow


Acesse o original aqui:



Publicado originalmente em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com por Leonardo Savassi 

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