sábado, 28 de fevereiro de 2015

Desfechos clínicos dos betabloqueadores para IAM: meta-análise

Clinical Outcomes with β-Blockers for Myocardial Infarction: A Meta-analysis of Randomized Trials

Estudo publicado no Am J Med. 2014 de outubro de 2014 questionou o uso de Beta-bloqueadores para o Infarto Agudo do Miocárdio.


Entenda:


O Infarto Agudo do Miocardio (IAM) é uma das condições cardiológicas mais comuns em todo o mundo, resultante de uma série de fatores de risco como sedentarismo, dislipidemia, hipertensão, diabetes, tabagismo e stress, que se agrava ao longo da idade.

As síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis (SIMI) incluem a angina instável e o próprio IAM

Todos os pacientes devem ser avaliados e classificados em probabilidade alta, intermediária ou baixa de apresentarem SIMI sem supradesnível do segmento ST, como na tabela a seguir:

 (clique para ampliar)

E todos os pacientes devem ser estratificados e classificados em risco alto, intermediário ou baixo de desenvolverem eventos cardíacos maiores (Ver a tabela a seguir).

(clique para ampliar)

Pacientes com IAM ou suspeita de SIMI devem realizar eletrocardiograma (ECG), idealmente em até 10 minutos após a chegada do paciente ao hospital e o ECG deve ser repetido nos casos não diagnósticos, pelo menos uma vez, em até 6 horas.


Marcadores bioquímicos de lesão miocárdica devem ser mensurados em todos os pacientes com suspeita de SIMI na admissão e repetidos pelo menos uma vez, 6-9 horas após (preferencialmente 9-12 horas após o início dos sintomas), caso a primeira dosagem seja normal ou discretamente elevada. O CK-MB massa e troponinas são os marcadores bioquímicos de escolha de acordo com os seguintes critérios: 

  1. Troponina T ou I: aumento acima do percentil 99 em pelo menos uma ocasião nas primeiras 24 horas de evolução. 
  2. Valor máximo de CK-MB, preferencialmente massa, maior do que o limite superior da normalidade em 2 amostras sucessivas; valor máximo de CK-MB acima de 2 vezes o limite máximo da normalidade em 1 ocasião, durante as primeiras horas após o evento. 

Na ausência de CK-MB ou troponina, CK total acima de 2 vezes o limite superior pode ser utilizado, mas este biomarcador é consideravelmente menos satisfatório do que a CKMB.


 Um resumo de indicações da Sociedade Brasileira de Cardiologia para exames está no quadro a seguir:


Indicação de exames no IAM e SIMI

  1.  ECG: na admissão e no mínimo mais um em até 6 horas. 
  2. Marcadores bioquímicos: na admissão, 6-9 horas, opcional na 4a hora e 12a hora.
  3. Ergometria: pacientes de baixo risco, após 6 horas de observação e em até 12 horas. 
  4. Ecocardiografia: afastar outros diagnósticos ou suspeita de complicação 
  5. Teste provocativo de isquemia por imagem (ecocardiografia ou cintigrafia miocárdica): como alternativa à ergometria

Quanto ao tratamento, uma forma de lembrar a indicação inicial da abordagem medicamentosa do IAM é o acróstico MONAB (ou MONAB-C) que indicariam as medidas iniciais para o tratamento do infarto:


  • Morfina em pacientes de risco intermediário e alto (nível de evidência C) ou benzodiazepínicos em pacientes de alto risco (nível de evidência: C)
  • Oxigênioterapia em pacientes com risco intermediário e alto (nível de evidência: C)
  • Nitrato em pacientes com risco intermediário e alto (nível de evidência: C).
  • AAS em todos pacientes. (nível de evidência: A) e adição de clopidogrel ao AAS em pacientes de risco intermediário e alto (nível de evidência: A).
  • Beta-bloqueadores VO em pacientes de risco intermediário e alto (nível de evidência: B)
  • Captopril (inibidores da ECA) em pacientes de risco intermediário e alto com disfunção ventricular esquerda, hipertensão ou diabete melito (nível de evidência: A), ou em todos pacientes de risco intermediário e alto (nível de evidência B), sendo bloqueadores dos receptores da angiotensina II opções para pacientes de risco intermediário e alto com contraindicação aos inibidores da ECA (nível de evidência: C).


Frente a estas recomendações, o estudo a seguir traz novas evidências ao questionar o "B" - ou seja - os Beta bloqueadores - na abordagem do IAM. 


O que este artigo traz:

Os autores realizaram uma revisão sistemática sobre a eficácia dos beta-bloqueadores no IAM nas épocas pré-reperfusão e reperfusão, após excluir ensaios que não se enquadrassem na avaliação dos beta-bloqueadores no IAM (por exemplo, estudos que comparassem um beta-bloqueador com outro). 


Ao avaliar os períodos pré-reperfusão e reperfusão os autores concluem que o efeito da era pré-reperfusão na redução da mortalidade ocorria apenas na era pré-reperfusão, perdendo seu efeito na era da reperfusão (quando o objetivo primordial passou a ser reperfundir rápido para preservar músculo).

Além disso, os autores apontam que a redução da morbidade (IAM e angina) se deu as custas de mais insuficiência cardíaca congestiva, mais choque cardiogênico e com um número considerável de descontinuação do tratamento. 

Ou seja, ao se centrar as evidências na era da reperfusão precoce, os efeitos dos Beta-bloqueadores parecem ser diminutos e contrabalançados por riscos, o que torna na verdade seus benefícios pouco importantes, ainda mais que o desfecho mais importante (mortalidade) parece suplantado pela introdução da reperfusão precoce/ inicio precoce do AAS e estatinas. 

Aos poucos, então o MONAB-C vai voltando a ser apenas MONA. 


Veja o Abstract Traduzido:

TEMA:Existe um debate sobre a eficácia dos β-bloqueadores no infarto do miocárdio e sua duração de uso necessária  na prática contemporânea.
MÉTODOS:Foi realizado um MEDLINE / EMBASE / pesquisa CENTRAL para ensaios clínicos randomizados avaliando β-bloqueadores em infarto do miocárdio com pelo menos 100 pacientes cadastrados. O desfecho primário foi mortalidade por qualquer causa. A análise foi realizada em ensaios estratificando a era da reperfusão (mais de 50% de reperfusão ou recebendo aspirina / estatina) ou ensaios da era pré-reperfusão.
RESULTADOS:Sessenta ensaios com 102.003 pacientes preenchiam os critérios de inclusão. Nos ensaios de infarto agudo do miocárdio, uma interação significativa (P interaction = 0,02) foi observada tal que β-bloqueadores reduziu a mortalidade na era pré-reperfusão (relação de taxa incidente [TIR] = 0,86; 95% intervalo de confiança [IC], 0,79-0,94), mas não na era da reperfusão (IRR 0,98; 95% CI, 0,92-1,05). Na era pré-reperfusão, β-bloqueadores reduziram a mortalidade cardiovascular (IRR 0,87; 95% CI, 0,78-0,98), infarto do miocárdio (IRR 0,78; 95% CI, 0,62-0,97) e angina (IRR 0,88; 95% CI , 0,82-0,95), não havendo diferença para outros desfechos. Na era da reperfusão, β-bloqueadores reduzida infarto do miocárdio (IRR 0,72; 95% CI, 0,62-0,83) (número necessário para tratar para beneficiar [NNTB] = 209) e angina (IRR 0,80; 95% CI, 0,65-0,98) (NNTB = 26) à custa de aumento na insuficiência cardíaca (IRR 1,10; 95% CI, 1,05-1,16) (número necessário para tratar de prejudicar [nnª] = 79), choque cardiogênico (IRR 1,29; IC 95%, 1,18 -1,41) (nnª = 90), e descontinuação da droga (IRR 1,64; 95% CI, 1,55-1,73), sem nenhum benefício para outros desfechos. Benefícios para infarto do miocárdio recorrente e angina na era da reperfusão pareceram ser de curto prazo (30 dias).
CONCLUSÕES:Na prática contemporânea do tratamento do infarto do miocárdio, β-bloqueadores não têm nenhum benefício na mortalidade, mas reduzem o infarto do miocárdio recorrente e angina (de curto prazo) à custa de aumento de insuficiência cardíaca, choque cardiogênico e descontinuação da droga. Os autores das diretrizes deveriam reconsiderar a força de recomendações para β-bloqueadores pós-infarto.


Saiba mais:
Beta bloqueadores para IAM em pessoas com DPOC!!!
AAS x prevenção cardiovascular primária
Níveis pressóricos alvo: abaixo de 140x90 mmHg?


Acesse o Artigo:

Texto completo:


Ou o seu PDF: 



Leia também:

Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST:




Publicado originalmente por Leonardo Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

P4: Metformina para prevenção de Diabetes?

Improving diabetes prevention with benefit based tailored treatment: risk based reanalysis of Diabetes Prevention Program

Os benefícios de Metformina para a prevenção do diabetes parecem ser limitados aos pacientes de maior risco, de acordo com uma análise dos dados do estudo do Programa de Prevenção de Diabetes, publicado no British Medical Journal (BMJ). 


Entenda:

Já foi aventado o uso de metformina até mesmo para a prevenção do desenvolvimento de Diabetes Mellitus do tipo 2 em pessoas com qualquer história familiar. Aliás, a metformina já foi tão bem elogiada ao ponto de termos endocrinologistas brincando com o fato, dizendo que Metformina deveria fazer parte do café da manhã, ou que tudo que termina com "ina" em Diabetes é bom. 

Exageros a parte (mesmo porque o risco de acidose lática ainda não foi descartado e a excreção é renal), desde 2002 sabe-se que a prevenção com metformina reduz a incidência de diabetes em pessoas de alto risco, embora seja menos eficaz que a intervenção direcionada ao estilo de vida. E tem-se a clara noção de que pacientes de alto risco podem se beneficiar mais.  Veja o link ao final dessa postagem

A American Diabetes Association no início de 2015 reforçou esta recomendação: o uso da metformina para a prevenção da diabetes tipo 2 pode ser considerado em pacientes com intolerância a glicose (nível A de evidência), glicemia de jejum alterada (nível E), ou uma Hemoglobina glicada entre 5,7-6,4%  (nível E), especialmente para aqueles com IMC > 35 kg / m2, com idade < 60 anos e mulheres com diabetes mellitus gestacional prévia (nível A). Veja o link para as recomendações sobre prevenção da ADA ao final dessa postagem


O que este estudo aponta:

Parece que ao se pesar danos e benefícios, somente nos pacientes de maior risco se beneficiariam do uso de metformina preventiva da Diabetes Mellitus. 

Os pesquisadores estudaram mais de 3000 pacientes com alto risco de diabetes tipo 2 que haviam sido escolhidos aleatoriamente para receberem tratamento com metformina, uma intervenção de estilo de vida, ou placebo. 

Os participantes foram divididos em quartis de risco de base de acordo com fatores como a glicose plasmática em jejum e os níveis de hemoglobina A1c. 

Durante cerca de 3 anos de seguimento, a terapia de metformina foi associado a uma redução do risco absoluto de 21% para diabetes entre os pacientes no quartil mais elevado de risco de base (número necessário para tratar para prevenir um caso, 4,6); pacientes nos quartis mais baixos experimentado pouco benefício. A intervenção de estilo de vida também beneficiou o grupo de maior risco a mais, mas os benefícios foram vistos nos quartis mais baixos também. 


Características
1º quartil (n=766)
2º quartil (n=766)
3º quartil (n=766)
4º quartil (n=766)
Todos (n=3064)
Risco de DM2
Probabilidade prevista, IC
1.1-9.5%
9.5-15.1%
15.1-27.0%
27.0-99.8%
Probabilidade prevista, média
6.9%
12.0%
20.1%
44.6%
20.9%
Taxa real observada de conversão para DM2
Taxa observada, média (eventos)
7.1% (46)
13.7% (88)
23.4% (155)
42.9% (297)
21.9% (586)
Taxa grupo placebo, média (eventos)
8.3% (19)
17.8% (37)
29.1% (73)
59.6% (140)
29.1% (269)
Taxa da Metformina, média (eventos)
9.6% (21)
14.9% (32)
24.4% (53)
38.2% (86)
21.9% (192)
Taxa das mudanças no estilo de vida, média (eventos)
3.4% (6)
8.6% (19)
15.5% (29)
31.3% (71)
14.8% (125)
Efeito das intervenções
Hazard ratio, metformina (IC 95%) (versus placebo)
1.07 (0.57 a 2.01)
0.79 (0.49 a 1.28)
0.82 (0.57 a 1.18)
0.44 (0.33 a 0.59)
0.67 (0.55 a 0.81)
Hazard ratio, intervenções no estilo de vida (IC 95%) (versus placebo)
0.30 (0.12 a 0.75)
0.45 (0.26 a 0.79)
0.43 (0.28 a 0.67)
0.34 (0.25 a 0.46)
0.42 (0.34 a 0.52)

O quadro acima - uma tradução e explicação do mesmo quadro do artigo - demonstra claramente que, embora no global de pessoas sob risco de DM2 a metformina funcione como fator de prevenção, ao se estratificar em quartis, somente as pessoas no quartil mais elevado, ou seja, aquelas em maior risco, se beneficiam claramente do uso de metformina, não cruzando a linha entre a redução do risco e a inoquidade. Com isso, pode-se pensar em reduzir o supratratamento - overtreatment - e tornar a prevenção de diabetes muito mais eficiente, eficaz e centrado no paciente. 



Leia também:
Medicina de Familia: Metformina e insuficiência renal: maior segurança no uso.
Medicina de Familia: Terapia Oral para DM-2 baseada em evidências  



Veja o Resumo traduzido:


Objetivo

Determinar se alguns participantes do Programa de Prevenção de Diabetes eram mais ou menos susceptíveis de beneficiar de metformina ou de um programa de modificação do estilo de vida estruturado.


Projeto
Análise post hoc do Programa de Prevenção de Diabetes, um estudo randomizado controlado.

Cenário
Pacientes ambulatoriais.

Participantes
3060 pessoas sem diabetes, mas com evidência de metabolismo da glicose prejudicada.

Intervenção
Grupos de intervenção receberam metformina ou um programa de modificação do estilo de vida com os objetivos de perda de peso e atividade física.

Parâmetro principal
Desenvolvimento de diabetes, estratificado pelo risco prévio de desenvolvimento de diabetes de acordo com um modelo de previsão de risco de diabetes.

Resultados
Dos 3.081 participantes com alteração no metabolismo da glicose no início do estudo, 655 (21%) evoluíram para diabetes dentro de uma mediana 2,8 anos de seguimento. O modelo de risco de diabetes teve boa discriminação (estatística C = 0,73) e calibração. Embora a intervenção de estilo de vida variasse desde uma maior redução do risco absoluto de seis vezes no quartil de mais alto risco do que no quartil de menor risco, os pacientes no quartil de risco ainda tiveram benefício substancial (redução de risco absoluto em três anos de 4,9% v 28.3% no quartil mais alto risco; números necessário para tratar (NNT) de 20,4 e 3,5, respectivamente). O benefício da metformina, no entanto, foi observado quase inteiramente em pacientes no quartil topo de risco de diabetes. Nenhum benefício foi visto no quartil de menor risco. Os participantes do maior quartil de risco médio de três anos tiveram  21,4% de redução do risco absoluto (NNT de 4.6).

Conclusões
Os pacientes com alto risco de diabetes têm variação substancial na sua probabilidade de receber benefício de tratamentos para prevenção de diabetes. Usando este conhecimento pode diminuir o overtreatment e fazer a prevenção de diabetes muito mais eficiente, eficaz e centrado no paciente, desde que a tomada de decisão seja baseada em uma ferramenta de predição de risco precisa.


Acesse:

Artigo do BMJ (Free) 





Saiba mais:

NEJM: Redução na incidência de DM2 com metformina ou mudanças no estilo de vida




Recomendações da ADA para prevenção da DM2 (2015):






 Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

P4: Propedêutica inadequada por imagem para cefaleia descomplicada dobrou em 10 anos!

Trends in the Ambulatory Management of Headache: Analysis of NAMCS and NHAMCS Data 1999–2010


A gestão da dor de cabeça tem sido discordante do que determinam os Guidelines - por exemplo, o uso de imagem avançada e encaminhamento para outros médicos - e essa discordância dobrou entre 1999 e 2010, de acordo com um estudo publicado no Journal of General Internal Medicine.


Entenda:

A cefaleia figura-se entre os doze principais motivos de consulta na Atenção Primária a Saúde (APS), sendo que até 70% da população terá ao menos um episódio de cefaleia durante um ano.

O manejo da cefaleia é eminentemente clínico e exames complementares são a exceção. Não apenas por uma questão de racionalidade de custos, mas porque o encaminhamento para exames pode adiar a atenção necessária. 

O Capítulo de Cefaleias do Tratado de MFC de Gusso e Lopes (2012) compila os seguintes sinais de alerta - "red flags" - que sugeririam a necessidade de propedêutica complementar ao invés de iniciar o tratamento:

  • Sinais de doenças sistêmicas graves (como meningismo, petéquias, confusão mental)
  • Sinais de alterações clínicas neurológicas
  • Início súbito ou recente e/ou associado a dor cervical
  • Início após 50 anos de idade 
  • História de trauma recente
  • Olho vermelho e papilas medianas, sugerindo glaucoma
  • Cefaleias progressivas
  • Cefaleias relacionadas ao esforço 


O aconselhamento para cefaleia exige medidas simples, de mudança de estilo de vida,  mesmo o tratamento pode ser feito sem uso de medicamentos em boa parte dos casos, ou com medicamentos simples. Assim, a necessidade de exames complementares é uma exceção. 




Veja também:
Medicina de Familia: "Migranea" em população rural cubana
Medicina de Familia: Cefaléia e abuso de medicação: cronicidade?


O que este estudo traz:

Usando dados de duas pesquisas nacionais (NAMCS e NHAMCS), os pesquisadores estudaram cerca de 9.400 consultas ambulatoriais específicas para dor de cabeça nesse período, o que tem representação para cerca de 144 milhões de consultas de norte-americanos. Pacientes com sintomas que sugeriram outros diagnósticos que não a dor de cabeça simples foram excluídos.

Aconselhamento de estilo de vida para prevenção de dor de cabeça - uma abordagem de primeira linha em diretrizes baseadas em evidências - caiu de 24% das consultas em 1999-2000 para 19% em 2009-2010. Ao mesmo tempo, a utilização de tomografia computadorizada e ressonância magnética aumentou (de 7% para 14%), assim como as referências a outros médicos (7% a 13%).



 Os resultados foram semelhantes em pacientes com enxaqueca versus dor de cabeça não-enxaqueca, e naqueles com cefaleia aguda versus cefaleia com sintomas crônicos. 

Ou seja, nos Estados Unidos os médicos estão cada vez mais solicitando exames de imagem avançados e referindo seus pacientes a outros médicos - subespecialistas focais - enquanto oferecem cada vez menos aconselhamento de estilo de vida a seus pacientes (o que provavelmente tem o maior potencial de resolução do problema).

A pergunta que me faço é... por que estamos sendo cada vez mais intervencionistas se as evidências nos mostram o contrário? 

Seria a tal "medicina defensiva"? ou reflexos de uma pior formação? ou ainda... seria o medo de errar "para menos" - mesmo sabendo que errar para mais é tão iatrogênico quanto?



Leia o abstract traduzido:

Fundo
Dor de cabeça é uma queixa freqüente e entre os motivos mais comuns para consultar um médico.

Objetivo
Caracterizar as tendências de 1999 a 2010, na gestão da dor de cabeça.

Projeto
Análise longitudinal de tendências.

Dados
Amostra nacionalmente representativa de consultas médicaspara dor de cabeça do National Ambulatory Medical Care Survey (NAMCS) e do National Hospital Ambulatory Medical Care Survey (NHAMCS), excluindo consultas com "bandeiras vermelhas" (sinais de alerta), tais como déficit neurológico, câncer ou trauma.

Principais Medidas
Uso de imagem avançada (TC / MRI), opióides / barbitúricos e encaminhamentos para outros médicos (indicadores de orientação-discordantes), bem como aconselhamento sobre as modificações do estilo de vida e uso de medicações preventivas, incluindo verapamil, topiramato, amitriptilina, ou propranolol (guideline-concordante durante o período de estudo). Foram analisados os resultados por meio de regressão logística, o ajuste para as características do paciente e do médico, e ponderados para refletir estimativas populacionais estadunidenses. Além disso, resultados foram estratificados com base na enxaqueca versus não-enxaqueca, sintomas agudos versus crônicos, e se o clínico se auto-identificava como o médico da atenção primária.

Principais Resultados
Foram identificadas 9.362 consultas para dor de cabeça, o que é representativo de um número estimado de 144 milhões de visitas durante o período do estudo. Quase três quartos dos pacientes eram do sexo feminino, sendo a idade média de cerca de 46 anos. Uso de TC / MRI subiu de 6,7% de visitas em 1999-2000 para 13,9% em 2009-2010 (não ajustados, p < 0,001), e encaminhamentos para outros médicos aumentaram de 6,9% para 13,2% (p = 0,005). Em contraponto, o aconselhamento médico diminuiu de 23,5% para 18,5% (p = 0,041). O uso de medicamentos preventivos aumentou de 8,5% para 15,9% (p = 0,001), enquanto que opiáceos / barbitúricos permaneceram inalterados, em aproximadamente 18%. Tendências ajustadas foram semelhantes, assim como os resultados após estratificação por enxaqueca versus não-enxaqueca e apresentação aguda contra crônica. Médicos de cuidados primários tinham menor chance de encomendar TC / MRI (OR 0,56 [0,42, 0,74]).

Conclusões
Ao contrário do que muitas diretrizes, os médicos estão cada vez mais a encomenda de imagem avançado e referindo-se a outros médicos e, freqüentemente, oferecendo menos aconselhamento de estilo de vida a seus pacientes. A gestão da dor de cabeça representa uma oportunidade importante para melhorar o valor dos cuidados de saúde dos EUA.


Acesse:

Artigo do Journal of General Internal Medicine (o PDF está disponível para download):




Saiba mais:

Guideline do Institute of Clinical System Improvement (ISIC): 




Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Corticóides em Pneumonia grave

Effect of Corticosteroids on Treatment Failure Among Hospitalized Patients With Severe Community-Acquired Pneumonia and High Inflammatory Response 

A Randomized Clinical Trial

O uso de corticosteróides por via intravenosa pode levar a melhores resultados entre os pacientes hospitalizados com Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) grave e respostas inflamatórias elevadas, segundo estudo clínico randomizado publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA). 

Entenda:

Os corticosteróides são agentes imunomoduladores de escolha: são baratos e universalmente disponíveis, tem um perfil de efeito adverso bem conhecido, não requerem a monitorização de níveis de droga, e agem exatamente como age a resposta orgânica ao stress.

A pneumonia adquirida na comunidade, por definição, é a infecção aguda do parênquima pulmonar em um indivíduo que a adquiriu na comunidade, ou seja, aquela que se manifesta antes ou dentro das primeiras 48 a 72 horas de internação.

A PAC pode ser avaliada quanto a sua gravidade pelo PSI (Pneumonia Severity Index), que constitui-se numa série de fatores demográficos, clínicos e laboratoriais, ou pelo sistema CURB-65: 
C = confusão mental – minimental < 8; 
U = uréia > 7 mmol/L; 
R (respiratory rate) ≥ 30/min)
B (blood pressure) = PA sistólica < 90 mmHg ou diastólica ≤ 60 mmHg).
65 - idade superior a 65 anos. 


Esse último tem valor preditivo negativo (VPN) em torno de 97% para o diagnóstico de pneumonia grave.  

Corticosteróides têm sido utilizados para uma vasta variedade de doenças médicas. Seu uso para doenças agudas sempre foi controverso, sendo igualmente polêmica sua indicação em situações de pneumonia adquirida na comunidade, choque séptico, e a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA).




O que este estudo traz:


Cerca de 120 adultos com pneumonia grave e os níveis de proteína C-reativa acima de 150 mg / L na admissão foram randomizados para receber metilprednisolona IV (0,5 mg / kg a cada 12 horas) ou placebo durante 5 dias, com início dentro do prazo de 36 horas de internação. Todos os pacientes também receberam antibióticos.

 O desfecho primário - um composto de itens de falha de tratamento - ocorreu menos frequentemente com esteróides do que com placebo (13% vs. 31% dos pacientes). Esta diferença deveu-se a uma redução na progressão radiográfica em 3-5 dias com metilprednisolona. A mortalidade hospitalar não diferiu entre os grupos.

 Os autores defendem que, se replicados, esses achados apoiariam o uso de corticosteróides como tratamento adjuvante nesta população clínica. 

E eles estão certos: é necessário, por exemplo, confirmar que menos progressão radiográfica (um dos elementos definidores de sucesso ou falha no tratamento) pode de fato levar a uma menor mortalidade. Ou seja, que os desfechos que realmente importam na abordagem das PAC (como óbito, tempo de internação, necessidade de CTI ou morbidade associada) sejam medidos, e não desfechos intermediários (de melhora radiológica)


Leia o resumo traduzido:

Importância
 Em pacientes com pneumonia adquirida na comunidade grave, falência de tratamento está associado à resposta inflamatória excessiva e piores resultados. Os corticosteróides podem modular a liberação de citocinas nesses pacientes, mas o benefício desta terapia adjuvante permanece controverso.


Objetivo

  Avaliar o efeito de corticosteróides em pacientes com pneumonia adquirida na comunidade grave e resposta inflamatória associada alta.


Design, Ambiente, e os participantes

  Multicêntrico, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, realizado em três hospitais de ensino de espanhol envolvendo pacientes tanto com pneumonia adquirida na comunidade grave e uma alta resposta inflamatória, que foi definido como um nível de proteína C-reativa superior a 150 mg / L no momento da admissão. Os pacientes foram recrutados e acompanhados de junho de 2004 a fevereiro de 2012.


Intervenções

  Os pacientes foram randomizados para receber um bolus intravenoso de 0,5 mg / kg por 12 horas de metilprednisolona (n = 61) ou placebo (n = 59) durante 5 dias iniciados dentro de 36 horas de internação.


Principais resultados e Medidas

  O desfecho primário foi a falha do tratamento (desfecho composto de fracasso precoce definido como [1] deterioração clínica indicada pelo desenvolvimento de choque [2], necessidade de ventilação mecânica invasiva não está presente na linha de base, ou [3] a morte dentro de 72 horas de tratamento; ou desfecho composto de falha do tratamento final definido como [1] progressão radiográfica, [2] persistência de insuficiência respiratória grave, [3] o desenvolvimento de choque [4], necessidade de ventilação mecânica invasiva não está presente na linha de base, ou [5] entre a morte 72 horas e 120 horas após o início do tratamento, ou ambos falha do tratamento precoce e tardia). A mortalidade hospitalar foi um resultado secundário e eventos adversos foram avaliados.


Resultados

  Houve menos falha do tratamento entre os pacientes do grupo de metilprednisolona (8 pacientes [13%]), em comparação com o grupo placebo (18 pacientes [31%]) (P = 0,02), com uma diferença entre os grupos de 18% (95% Cl, 3% a 32%). O tratamento com corticosteróides reduziu o risco de falha do tratamento (odds ratio, [IC 95%, 0,14-0,87] 0,34; P = 0,02). A mortalidade hospitalar não diferiu entre os dois grupos (6 pacientes [10%] no grupo de metilprednisolona vs 9 pacientes [15%] no grupo placebo, p = 0,37); a diferença entre os grupos foi de 5% (IC de 95%, 6% para 17%). A hiperglicemia ocorreu em 11 pacientes (18%) no grupo de metilprednisolona e em 7 pacientes (12%) no grupo de placebo (P = 0,34).


Conclusões e Relevância

  Entre os pacientes com pneumonia adquirida na comunidade grave e resposta inflamatória inicial elevada, o uso agudo de metilprednisolona em comparação com placebo diminuiu a falha de tratamento. Se replicados, esses achados apoiariam o uso de corticosteróides como tratamento adjuvante nesta população clínica.


Registro do estudo: clinicaltrials.gov Identifier: NCT00908713


Acesse o artigo:




Saiba mais:

Para saber mais sobre PSI e CURB-65, a SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA tem uma revisão de 2011 interessante:


Bem como a Diretriz Clínica (de 2009): 








Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Posição prona do sono ligada a maior risco de morte súbita em epilepsia

Association of prone position with sudden unexpected death in epilepsy

Systematic review and meta-analysis

Dormir de barriga para baixo pode aumentar o risco de morte súbita, em pessoas epilepsia. A morte súbita nas epilepsias (SUDEP) é mais comum quando os pacientes estão em decúbito ventral, de acordo com uma meta-análise. Pesquisadores vêem semelhanças com a síndrome da morte súbita infantil. Os resultados foram publicados on-line 21 de janeiro na revista Neurology.


Entenda:

Tecnicamente, a morte súbita e inesperada na epilepsia ocorre quando uma pessoa saudável morre e os dados da autópsia não apontam nenhuma causa estrutural ou toxicológica clara de morte em pessoas comprovadamente vivendo com epilepsia.

Epilepsia por sua vez é uma condição crônica, uma síndrome manifesta por distúrbios epiléticos recorrentes, e várias apresentações, sendo as convulsões apenas uma das manifestações desse complexo sintomático, podendo inclusive ocorrer posteriormente ao início das manifestações da síndrome epilética (Ver apresentação ao final).

A morte súbita por epilepsia é uma ocorrência rara, sendo mais comum em pessoas cuja epilepsia é cronicamente descontrolada, e  geralmente ocorre durante o sono. A epilepsia afeta cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, e provavelmente 0,3% delas morrem inesperadamente, das quais cerca de 70% (ou 0,21% do total de pessoas afetadas pela doença) morrem durante o sono.

O novo estudo lança mais luz sobre algo que os neurologistas já suspeitavam: o risco de morte súbita parece estar relacionado a dormir na posição prona - ou seja - de bruços. Com isto, os profissionais que atendem pessoas vivendo com epilepsia, em especial as descontroladas, tem um novo item em suas recomendações individuais e coletivas: essas pessoas devem evitar dormir de bruços. 


Saiba mais:
Medicina de Familia: Diretrizes - Epilepsia - Ministério da Saúde
Medicina de Familia: Anti-epiléticos e suicídio
Medicina de Familia: Consenso Espanhol diagnóstico e tratamento do 1o caso de epilepsia


O que este estudo acrescenta:

Os autores descobriram que dormir de bruços é um risco significativo para a morte súbita e inesperada em epilepsia, particularmente em pacientes com idade inferior a 40 anos.

Para as pessoas com epilepsia, breves interrupções de atividade elétrica no cérebro levam a crises recorrentes.

Não está claro por que dormir de bruços está ligada a um maior risco de morte súbita, mas a descoberta faz paralelos com a síndrome da morte súbita infantil (SIDS). Provavelmente a SIDS ocorre porque os bebês são incapazes de acordar, se a respiração é interrompida. Em adultos com epilepsia, as pessoas de bruços podem ter uma obstrução das vias aéreas e ser incapazes de levantar-se.

A revisão incluiu 25 estudos publicados anteriormente que detalharam 253 mortes súbitas, inexplicáveis de pacientes com epilepsia, para quem havia informações disponíveis sobre a posição do corpo no momento da morte. Desses, 73% morreram provavelmente quando dormiam de bruços pois foram encontrados mortos nessa posição.

Em um subgrupo de 88 casos, os menores de 40 anos de idade eram quatro vezes mais propensos a morrer em uma posição de bruços do que as pessoas mais velhas. No total, 86 por cento dos menores de 40 e 60 por cento das pessoas com mais de 40 estavam de bruços quando foram encontrados mortos.

Onze mortes ocorreram durante o monitoramento de vídeo eletroencefalograma e destes, todos os pacientes morreram na posição prona (após crises tônico-clônicas generalizadas).

O estudo apresenta limitações. Por exemplo, não pode dizer por que a morte súbita é mais comum em pacientes mais jovens porque por exemplo talvez eles fossem mais propensos a ser solteiros e portanto sem um parceiro na cama para despertá-los durante o ataque. Ou seja, não se trata de uma relação causa-efeito, e sim uma associação. Outro ponto é que para a maioria dos casos, não se sabe se eles estavam dormindo de bruços quando uma crise se iniciou ou se voltaram-se para essa posição na aura ou no período intercrise/ pós-comicial .

Uma das possibilidades de orientação centrada nas pessoas com epilepsia deve ser a de tentar dormir de lado ou em posição supina, ou pedir seu parceiro de cama para lembrá-las disto. Outra opção seria usar relógios de pulso e alarmes na cama projetados para detectar ataques durante o sono para prevenir a morte súbita, ou até mesmo colocar algum objeto (como uma bola) no bolso da frente da camisa do pijama.


Leia o Abstract traduzido:
Objetivo: Examinar a associação entre posição prona e morte súbita em epilepsia (SUDEP).
Métodos: Foi realizada uma revisão sistemática e meta-análise com base em uma pesquisa bibliográfica a partir das bases de dados PubMed, Web of Science e Scopus, usando palavras-chave "SUDEP" ou "morte súbita nas epilepsias" ou "súbitas síndromes morte inexplicada na epilepsia". Vinte e cinco publicações preencheram os critérios de inclusão e exclusão e foram incluídas neste estudo.
Resultados: As posições corporais foram documentadas em 253 casos de SUDEP. Destes pacientes, 73,3% (intervalo de confiança de 95% [IC] = 65,7%, 80,9%) morreram em decúbito ventral, ao passo que 26,7% (IC 95% = 16,3%, 37,1%) morreram em posições não-pronas. Análise binária de efeitos aleatórios mostraram que a posição prona está significativamente associado à SUDEP, em comparação com a posição não-prona (p < 0,001). Além disso, a posição prona foi relatada em todos os 11 casos de SUDEP monitorados por vídeo-EEG. Além disso, em um subgrupo de 88 casos de SUDEP no qual a demografia e as circunstâncias da morte foram documentadas, a posição prona foi observada em 85,7% (IC 95% = 74,6%, 93,3%) dos pacientes com 40 anos ou mais jovens, mas em apenas 60% (IC 95% = 38,7%, 78,9%) de pacientes com mais de 40 anos. A análise estatística confirmou que a posição prona foi significativamente mais prevalente no grupo de pacientes mais jovens, em comparação com o grupo de pacientes mais velhos (odds ratio 3,9; IC95% = 1,4%, 11,4%; p = 0,009).
Conclusão: Há uma associação significativa entre a posição prona e SUDEP, o que sugere que a posição prona é um importante fator de risco para SUDEP, particularmente em pacientes com 40 anos ou mais jovens. Como tal, SUDEP pode partilhar mecanismos semelhantes à síndrome da morte súbita infantil (SIDS).
Recebido em 6 de abril de 2014.Aceito na forma final em 15 de outubro de 2014.Publicado em 21 de janeiro de 2015

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Acesse:

Artigo na Neurology (abstract livre) 


Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com