sábado, 31 de janeiro de 2015

Hanseníase, bíblia e preconceito na programação da TV Aberta

Rede Record, não intencionalmente, presta um desserviço a saúde pública.

Entenda:


A hanseníase é uma doença causada pelo Bacilo de Hansen (Mycobacterium leprae), que se aloja nas células de Schwann e a partir daí causa danos neurológicos que repercutem em perda de sensibilidade e manchas na pele, seguidas de manifestações neuromusculares como deformidades em mãos e pés, queda de pelos (em especial madarose ciliar) e alterações na face (levando à fascies leonina desabamento das asas nasais) se não tratada a tempo. 

Com o tempo, e se não tratada, as deformidades levam a pressão dos ossos sob a pele, ocasionando perfurações, osteomielite e evoluindo para amputações (o que leva ao pensamento leigo de que na hanseníase as pessoas "perdem pedaços do corpo).

Como o único reservatório conhecido da doença era o homem, durante séculos o "tratamento" da doença consistia em isolar os doentes para "proteger os sãos". Até o surgimento das sulfonas em 1941 e posteriormente da poliquimioterapia duas década depois, o isolamento foi mantido, e persistiu em alguns países - como o Brasil, até as décadas seguintes. 

Em nosso país, para afastar o estigma da doença, mudou-se a nomenclatura de "lepra" para hanseníase na terminologia da saúde pública em 1995, alterando o estigma mas também a percepção da gravidade da doença. Embora tenha conseguido este intuito, por outro lado é um dos fatores aventados para o Brasil ser o último dentre os países que notificam casos a não erradicar a doença como problema de saúde pública, compromisso assumido em 1990 junto a Organização Mundial da Saúde, que deveria ter sido cumprido até o ano 2.000. 


Do que se trata o preconceito:

A rede Record de TV, ao abordar um trecho bíblico como tema de novela, inadvertidamente reforça o preconceito contra a hanseníase. Ao criar uma situação em que um hanseniano é "contaminado" a partir do "contato com a pele de um 'leproso' (sic)", a novela traz conceitos absolutamente errôneos e pode reforçar o estigma bíblico milenar arraigado nos conceitos da doença.


Em primeiro lugar, a doença não é transmitida pelo contato de uma pele sã com o doente, a fonte principal de transmissão é pela via aérea. Em segundo lugar, a transmissão depende de contato íntimo prolongado, de anos (e não um simples contato com a pele). Além de trazer a tona todos os conceitos de "impureza" e "pecado" ligados a doença.


Infelizmente, ao tentar abordar trechos bíblicos que envolvem a doença, ressurgem os preconceitos advindos da tradução errônea do termo "Tsaraath" para o antigo e novo testamentos. O termo se referia a vários problemas de pele, como vitiligo, hanseníase, micoses, e foi traduzido unicamente como 'lepra', sendo a bíblia sagrada uma das grandes responsáveis por todo o preconceito contra as pessoas que adquiriram a doença.

Veja a matéria da própria rede no Portal R7: Leia aqui, mas antes veja os links a seguir para entender um pouco mais. 



Entenda o preconceito bíblico:

As duas apresentações a seguir dão uma noção do que foi conviver com a doença no passado:







Se quiser saber mais detalhadamente sobre a história da Hanseníase no mundo, esta dissertação de mestrado conta detalhadamente todo o sofrimento de quem padeceu com a doença desde a era pré-bíblica até a idade média e seu ressurgimento neste século:
Savassi, Leonardo Cançado Monteiro. Hanseníase: políticas públicas e qualidade de vida de pacientes e seus cuidadores / Leonardo Cançado Monteiro Savassi. – Belo Horizonte, 2010. xvii, 179 f.: il.; 210 x 297mm. Bibliografia: f.: 188-196 Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre em Ciências pelo Programa de Pós - Graduação em Ciências da Saúde do Centro de Pesquisas René Rachou. Área de concentração: Saúde Coletiva.

Fonte: Site CPqRR Fiocruz Minas (PDF)




Se quiser entender um pouco mais sobre percepção da doença pelas pessoas como elemento importante de mudança de comportamento, veja esta apresentação:




Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi no BLOG Medicina de Família BR.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Claritromicina + novas estatinas = risco de internação e morte em idosos

Risk of adverse events among older adults following co-prescription of clarithromycin and statins not metabolized by cytochrome P450 3A4


Claritromicina - quando co-prescrita com algumas estatinas em idosos - associa-se com aumento do risco de resultados adversos, incluindo mortalidade, de acordo com um estudo observacional publicado no Canadian Medical Association Journal (CMAJ).


Entenda:


As interações medicamentosas podem reduzir a eficácia do tratamento e, em alguns casos, pode aumentar o risco de efeitos adversos graves (por exemplo, miopatia, rabdomiólise, insuficiência renal aguda, ou até mesmo a morte). As agências governamentais, incluindo o Food and Drug Agency, a Health Canada, e da Agência Europeia de Medicamentos  anunciam regularmente advertências, alteração de informações de segurança, e recomendações sobre a toxicidade dos medicamentos e interações (links para estes três órgãos ao final desta postagem). 



As estatinas são largamente utilizadas no tratamento da dislipidemia e na prevenção secundária de doenças cardiovasculares. São um dos medicamentos mais prescritos em todo o mundo e, portanto, a sua segurança continua a ser uma questão de grande preocupação. Comorbidade e polifarmácia são comuns em usuários de estatinas, e isso é especialmente real em idosos. 



A claritromicina é um antibiótico de uso relativamente comum na prática clínica, tendo indicações precisas como opção relevante nas pneumonias atípicas, como parte do coquetel de tratamento de H. pilory ou como alternativa para pessoas alérgicas às penicilinas. A própria claritromicina tem um rol de interações potencialmente graves por exemplo com bloqueadores de canal de cálcio (ver link ao final)


O estudo trazido pelo blog aponta que a co-prescrição de estatinas e claritromicina foi associada com um aumento do risco de lesão renal aguda e da mortalidade por todas as causas. 


O que este estudo traz:

A partir de um banco de dados de saúde, os pesquisadores examinaram registros de 100 mil canadenses com idade acima de 66 anos em uso de estatinas mais modernas, ou seja, aquelas que não são metabolizados pelo Citocromo P450 3A4 (CYP3A4) - tais como rosuvastatina, fluvastatina e pravastatina -  e que fizeram uso de qualquer claritromicina ou azitromicina. A claritromicina inibe os transportadores de captação hepática OATP1B1 e OATP1B3, enquanto a azitromicina não o faz.

Os autores procuraram então por códigos de doenças (CID) nas internações que tivessem relação com os desfechos a serem avaliados (rabdomiólise, lesão renal aguda ou hipercalemia), e analisaram a mortalidade geral.


Comparados aos pacientes com co-prescrição de azitromicina + estatinas, aqueles com co-prescrição de claritromicina tiveram riscos maiores para hospitalização por lesão renal aguda (risco relativo ajustado, 1,65), hospitalização por hipercalemia (RR, 2,17) e mortalidade (RR, 1,43).




aumento do risco absoluto foi muito pequeno, dada a relativa raridade dos efeitos deletérios da associação. Segundo os autores, provavelmente menos de 1%, mas dada a gravidade dos eventos advindos da associação estatina-claritromicina, o estudo conclui que deve-se optar pela utilização de azitromicina ou outro antibiótico que não interage com as estatinas para evitar a toxicidade


Para entender um pouco sobre o efeito da 'raridade' de um evento no aumento ou redução do risco relativo,veja ao final uma apresentação do Slideshare a partir de uma palestra sobre Prevenção Quaternária que explica o efeito real da redução absoluta


Assim, os profissionais devem estar atentos tanto à claritromicina, um agente antibiótico de uso relativamente frequente, quando às estatinas, que tem seu uso aumentado a cada ano.  Os médicos precisam acompanhar as evidências mais atuais por trás dos riscos dessas drogas para se comunicar de forma eficaz e cuidar de seus pacientes.



Leia o resumo traduzido:

Antecedentes: A claritromicina, inibidora do citocromo P450 3A4 (CYP3A4), pode também inibir o transporte de polipeptídeos orgânicos aniônicos específicos do fígado (OATP1B1 e OATP1B3). Foi estudado se o uso concomitante de claritromicina e uma estatina não metabolizada pelo CYP3A4 seria associada a um aumento da frequência de eventos adversos graves.
Métodos: Através de grandes bases de dados de saúde, estudamos uma coorte de base populacional de idosos (com idade média de 74 anos) que tomavam uma estatina não metabolizada pelo CYP3A4 (rosuvastatina [76% das prescrições], pravastatina [21%] ou fluvastatina [3%]) entre 2002 e 2013 e para quem foi recentemente prescrita claritromicina (n = 51 523) ou azitromicina (n = 52 518), o último um antibiótico que não inibe nem o CYP3A4 e nem OATP1B1 e OATP1B3. Os desfechos medidos foram internação hospitalar contendo um código de diagnóstico para a rabdomiólise, lesão renal aguda ou hipercalemia, e todas as causas de mortalidade. Todos os resultados foram avaliados no prazo de 30 dias após a co-prescrição.
Resultados: Em comparação com o grupo controle, os pacientes co-prescritos claritromicina e uma estatina não metabolizada pelo CYP3A4 estavam em maior risco de internação hospitalar com lesão renal aguda (risco relativo ajustado [RR] 1,65, 95% intervalo de confiança [IC] 1,31-2,09 ), a admissão com hipercalemia (RR ajustado 2,17, 95% CI 1,22-3,86) e todas as causas de mortalidade (RR ajustado 1,43, 95% CI 1,15-1,76). O RR ajustado para admissão a rabdomiólise foi 2,27 (IC95% 0,86-5,96). O aumento absoluto em risco para cada resultado foi pequeno e provavelmente abaixo de 1%, mesmo depois de termos considerado a insensibilidade de alguns códigos de banco de dados hospital.
Interpretação: Entre os idosos em uso de uma estatina não metabolizado pelo CYP3A4, a co-prescrição de claritromicina contra azitromicina foi associada com um aumento modesto, mas estatisticamente significativo de risco absoluto de resultados adversos em 30 dias.

Acesse:

Leia o Artigo CMAJ (PDF Free):


Leia ainda:


Associação de claritromicina a bloqueador de canal de cálcio pode ser fatal


Veja a apresentação sobre Prevenção Quaternária 

Veja nos slides 81 a 101 como uma Redução (ou aumento) do Risco Relativo depende da magnitude da situação estudada:




Links de agências que trazem relatos periódicos: 

As seguintes agências publicam relatórios periódicos de efeitos colaterais e interações medicamentosas:

http://www.ema.europa.eu/ema/ (/patient safety folder)

Publicado por Leonardo C M Savassi originalmente em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Riscos de brinquedos com laser para crianças.

Minimizing Risk for Children’s Toy Laser Products
Guidance for Industry and Food and Drug Administration Staff


O FDA está particularmente preocupado com o perigo potencial de brinquedos com laser para crianças e aqueles ao seu redor, e emitiu um documento de orientação sobre a segurança dos produtos.


Entenda: 

Brinquedos com luz e laser vermelho ou verde estão cada vez mais baratos e disponíveis, tanto os de empresas de brinquedos quanto nos artigos importados de baixo custo (os famosos brinquedos de camelôs). 

Porém, quando usados de maneira insegura, ou sem determinados controles, a luz altamente concentrada a partir de lasers, mesmo em brinquedos pode ser perigosa, causando lesões oculares graves e até mesmo cegueira. E não apenas a pessoa que utiliza um laser, mas a qualquer indivíduo dentro do alcance do feixe de laser.

Segundo o Food and Drug Administration (FDA), "Um feixe brilhando diretamente no olho de uma pessoa pode prejudicá-lo instantaneamente, especialmente se o laser é intenso."


No entanto, as lesões de laser geralmente não machucar, e visão pode deteriorar-se lentamente ao longo do tempo. As lesões oculares causadas pela luz do laser pode passar despercebida, por dias e até mesmo semanas, e pode ser permanente, diz ele.

Alguns exemplos de brinquedos laser são:

  • lasers montados em armas de brinquedo que pode ser usado para "mirar";
  • feixes de laser projetado a partir do topo de brinquedos que giram;
  • lasers portáteis utilizados como "sabres de luz" a la Luke Skywalker ; e
  • lasers de entretenimento que criam efeitos ópticos em uma sala aberta.





O que diz o relatório do FDA:

O FDA regula produtos eletrônicos emissores de radiação, incluindo lasers, e estabelece normas de radiação de segurança que os fabricantes devem cumprir e isso inclui todos os produtos a laser que comercializados como brinquedos.

Brinquedos com lasers são de especial interesse para o FDA, porque é muitas vezes crianças que sofrem danos físicos por esses produtos, e os pais e crianças ao verem os anunciantes promovê-los como brinquedos, podem acreditar que eles são seguros para uso.

Para os brinquedos serem considerados como risco mínimo, recomenda-se que os níveis de radiação e luz não excedam os limites "classe 1", que é o nível mais baixo em produtos regulamentados estabelecido pelo FDA. No Brasil, a regra é um limite de mil miliwats ou 1 mW  

Lasers utilizados para fins industriais e outros muitas vezes exigem níveis de radiação mais elevados, explica. Mas em brinquedos, estes níveis são desnecessárias e potencialmente perigosa. E nos últimos anos, lasers têm aumentado significativamente em poder e reduzido seu preço, e com isso, enquanto os adultos podem comprar um ponteiro laser (laser-pointer) para uso em trabalho, as crianças podem comprá-los por diversão.


O FDA traz também as seguintes dicas:

  • Nunca aponte ou um laser diretamente para ninguém, incluindo os animais. A energia da luz de um laser apontado para o olho pode ser perigoso, talvez até mais do que olhar diretamente para o sol.
  • Não aponte a laser em qualquer superfície reflexiva ou espelho.
  • Lembre-se que o efeito surpreendente de um feixe de luz brilhante pode causar acidentes graves quando destinada a um motorista em um carro ou de outra forma afetar negativamente alguém que está envolvido em outra atividade (como em prática de esportes).
  • Procure no produto por informações de que ele está em conformidade com o Code of Federal Regulations (CFR) 21 , subcapítulo J, no rótulo.*

_______________________________________________________
* Para ficar claro: essa é uma recomendação do FDA, para os Estados Unidos. No caso do Brasil, fique atento as recomendações da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedo (ABRINQ) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO). Se você comprar um brinquedo ou laser pointer e não existir essa informação na caixa, é melhor não fazer quaisquer suposições sobre a sua segurança.  O Inmetro também publicou uma portaria complementar, incluindo o limite de potência de 1.000 miliwatts para laser contidos em brinquedos (link ao final).

Portanto, pais e médicos, tenham em mente: os lasers podem ser perigosos e a informação necessária pode não ser evidente, especialmente naqueles produtos comprados em camelôs, em especial em locais para turistas, vindos do mercado paralelo e por isto mesmo, sem observância a qualquer norma de segurança. Essa informação é fundamental tanto diretamente para as crianças que os utilizam como brinquedos, ou para os adultos que as supervisionam. 

Acesse:

Leia o Guia de Regulamentação do FDA:


O que diz a legislação do INMETRO:



Leia ainda:  http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/relatorio_canetas_laser.pdf



Publicado por Leonardo Savassi originalmente em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Vacina contra gripe desta estação foi eficaz em apenas 23% dos vacinados

Early Estimates of Seasonal Influenza Vaccine Effectiveness — United States, January 2015


Até agora nesta temporada, a vacina contra a gripe teve cerca de 23% de eficácia apenas, de acordo com uma análise do Centers For Disease Control (CDC) sobre 2.300 pacientes que procuraram ambulatórios de doença respiratória aguda em cinco estados.

Entenda: 


Nos Estados Unidos, a vacinação anual contra a gripe sazonal é recomendada para todas as pessoas com mais de 6 meses de idade, e a cada temporada desde 2004-05, o Centers for Disease Control (CDC) estima a eficácia da vacina contra a gripe sazonal na prevenção de doença respiratória aguda. 

Nesta temporada, as estimativas iniciais de eficácia da vacina influenza são possíveis por causa da circulação ampla e precoce dos vírus da gripe na América do Norte. Segundo o CDC, em 03 de janeiro de 2015, 46 estados tinham gripe generalizada, com predomínio de influenza A (H3N2) vírus. 


O que o CDC traz: 


Este relatório apresenta uma estimativa inicial da efetividade da vacina da gripe sazonal na prevenção da infecção pelo vírus influenza confirmada em laboratório associado com infecções respiratórias agudas sob atendimento médico. 

Foram avaliados dados de 2.321 crianças e adultos matriculados na Rede Estadunidense de Eficáccia Vacinal contra o Influenza (Influenza Vaccine Effectiveness Network [Flu VE]) de 10 de novembro de 2014 a 2 de janeiro de 2015. Durante este período, a eficácia global da vacina (EV) contra a gripe confirmada por laboratório associado com medicamente participou ARI foi de 23% (intervalo de confiança de 95%  [IC] = 8% -36%).  Os dados foram ajustados para o local de estudo, idade, sexo, raça / etnia, autopercepção de saúde, e os dias de início da doença. 

A maioria das infecções de gripe foram devido a A (H3N2). Esta estimativa de eficácia vacinal é relativamente baixo em comparação com épocas anteriores, quando os vírus circulantes e vírus vacinais foram bem combinados. Segundo O CDC, mais de dois terços de influenza A (H3N2) em circulação são antigenicamente e geneticamente diferentes da A (H3N2) componente da vacina de 2014-15 para a gripe sazonal no Hemisfério Norte. 

Esta eficácia vacinal precoce, ressalta a necessidade de medidas de prevenção e tratamento da gripe em curso.

Entre as outras descobertas, relatadas no Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR), no qual foi publicado o artigo do CDC, estão:

- 41% dos pacientes avaliados foram positivos para o vírus da gripe.
- 96% dos vírus testados foram influenza A (H3N2), 4% eram influenza B.
- 67% de influenza A (H3N2) foram antigenicamente diferentes dos presentes na vacina.

A despeito de todos os "contras" o CDC afirma que as pessoas que ainda não foram vacinadas contra a gripe nesta temporada - incluindo aqueles que já poderia ter tido a gripe - ainda deve ser vacinadas, pois isso "pode proteger contra vírus que estão circulando ou pode circulam mais tarde".

Ainda segundo o CDC, mesmo quando a eficácia vacinal é reduzida, a vacinação ainda preveniria algumas doenças e complicações relacionadas com a gripe graves, incluindo hospitalizações e mortes. 


Acesse o artigo:

O artigo do CDC está disponível em livre acesso em:




Leia ainda: 

Atualização do CDC para o tratamento de pacientes com influenza com Antiviral 

Educação em Saúde: Influenza: aprender e cuidar


Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

sábado, 17 de janeiro de 2015

Nos EEUU: uso inadequado de aspirina para prevenção primária de DCV.

Frequency and Practice-Level Variation in Inappropriate Aspirin Use for the Primary Prevention of Cardiovascular Disease 
Insights From the National Cardiovascular Disease Registry’s Practice Innovation and Clinical Excellence Registry 


Entenda: 

 O uso de aspirina para prevenção primária de eventos cardiovasculares permanece no foco da discussão. 

 A eficácia e segurança da aspirina na prevenção primária de Infarto foi largamente estudada e revisões sistemáticas apontam que eventos coronários maiores  são reduzidos em 18% com a aspirina, mas à custa de um aumento de 54% no risco de sangramento maior. Para cada 2 principais eventos coronários prevenidos pela aspirina profiláctica, há um grande sangramento extracraniano. 

 O benefício da aspirina acaba sendo anulado pelo risco de sangramento, especialmente porque este risco está também fortemente ligado ao risco isquêmico. Mas a prevenção primária com aspirina continua sendo aplicada, não só por causa de sua cardioproteção mas também porque há novas evidências de quimioproteção contra o câncer (veja link para cobertura do Blog ao final).

 As orientações atuais são de que seu uso é inapropriado como prevenção primária caso o risco cardiovascular em 10 anos (Framingham) seja inferior a 6%, conforme recomendação:
 a) da US Preventive Services Task Force (USPSTF) de 2009;
 b) da American Heart Association (AHA) em 2011; 
 c) do Food and Drug Administration (FDA) de 2014; e
 d) da European Society of Cardiology (ESC)/ Working Group on Thrombosis.

Obs: 
1) A USPSTF recomenda aspirina apenas se há risco superior a 10% nos próximos 10 anos;
2) os links dos estudos acima estão disponibilizados ao final dessa postagem.



Outro ponto é que com o barateamento das estatinas e outras drogas, e com o fato delas já produzirem redução substancial do risco cardiovascular em muitos pacientes, o benefício da aspirina se tornou ínfimo ou nulo.

 Entretanto, uma evidência científica não se transforma automaticamente em uma boa prática clínica. Tanto é que, segundo este estudo publicado no Journal of American College of Cardiology (JACC), um número significativo de pessoas estaria recebendo aspirina de maneira inadequada para a prevenção primária de eventos cardiovasculares.


 O que este estudo traz: 

 Embora antes amplamente indicada, as recomendações para o uso de aspirina para a prevenção primária se restringem a pessoas que têm um risco moderado a alto de eventos cardiovasculares nos próximos 10 anos (risco de 6% ou mais).

 Usando dados de registro de cerca de 70.000 pacientes que receberam aspirina para fins de prevenção primária, os pesquisadores calcularam que 11,6% apresentaram um risco de 10 anos abaixo de 6% e estavam submetidos ao uso de aspirina. 

 A comparação das características basais dos pacientes classificados como uso Inapropriado x Apropriado de Aspirina para a prevenção primária de doença cardiovascular encontra-se traduzida na tabela abaixo:


Inapropriado
(n = 7,972)
Apropriado
(n = 60,836)
Valor de p
Idade (anos)
49.9 ± 11.3
65.9 ± 11.8
< 0.001
Masculino
1,619 (20.3)
28,840 (47.4)
< 0.001
Etnia
 Branca
3,936 (49.4)
32,534 (53.5)
< 0.001
 Negra
535 (6.7)
3,593 (5.9)
< 0.001
 Hispânica
106 (1.3)
644 (1.1)
< 0.001
Tipo de Provedor
0.132
 Médico
7,591 (96.2)
57,788 (96.5)
 Enfermeira
251 (3.2)
1,679 (2.8)
 Outro
52 (0.7)
438 (0.7)
Tipo de Seguro de Saúde
 Privado
5,444 (68.3)
35,347 (58.1)
< 0.001
 Medicare
1,130 (14.2)
30,467 (50.1)
< 0.001
 Nenhum
521 (6.5)
2,239 (3.7)
< 0.001
Comorbidades
 Diabetes
344 (4.3)
13,753 (22.6)
< 0.001
 Hipertensão
4,689 (58.8)
51,817 (85.2)
< 0.001
 Dislipidemia
5,465 (68.6)
50,136 (82.4)
< 0.001
Tabagismo
1,631 (20.5)
30,024 (49.4)
< 0.001
Medicações
Inibidor de ECA
1,474 (18.5)
22,428 (36.9)
< 0.001
 BRA
808 (10.1)
13,588 (22.3)
< 0.001
 Beta-bloqueador
2,406 (30.2)
28,168 (46.3)
< 0.001
 Bloqueador Canais de Ca
726 (9.1)
13,738 (22.6)
< 0.001
 Diuréticos
1,662 (20.8)
23,846 (39.2)
< 0.001
 Estatinas
3,789 (47.5)
37,104 (61.0)
0.001
Os valores são média ± DP para idade e n (%) para os demais.

 As mulheres foram mais propensas que os homens a receber prevenção primária inadequada, e as pessoas que receberam aspirina inadequadamente eram 16 anos mais jovem, em média, do que aqueles que receberam aspirina de forma adequada. 

 Outro ponto relevante deste estudo é que, ao contrário da maioria dos ensaios clínicos que avaliaram a prevenção primária com aspirina em âmbitos de clínica geral, este avaliou a prática diária de ambulatórios de cardiologia. 

 Há diferença e esta é relevante porque quando a Atenção Primária trabalha como um bom filtro para os especialistas, os cardiologistas atendem principalmente pacientes com doença cardíaca sintomática, que estão além da prevenção primária, ou pacientes sem doença coronariana que vêem um cardiologista por outras razões, tais como dor atípica peito, arritmia ou insuficiência cardíaca, os riscos de eventos coronarianos diferem por exemplo do âmbito da Atenção Primária. 

 Ou seja, no Brasil, onde a APS não é filtro eficiente para especialistas, e tanto na saúde complementar quanto no sistema público há pessoas que são cuidadas por cardiologistas responsáveis pelo cuidado clínico geral e global, o risco de intervenções maiores baseadas em uma clínica voltada para doentes cardiovasculares se estabelece, e neste ponto o artigo vai exatamente ao encontro da nossa realidade. 

 Por fim, a demonstração de que possivelmente os colegas cardiologistas estão usando a aspirina de maneira errônea - com danos maiores que benefícios - é um claro exemplo de overtreatment (supratratamento) - que deve ser evitado. Ao menos em pacientes com risco de evento cardiovascular nos próximos 10 anos inferior a 6%. 

 Como a aspirina é um medicamento de compra livre de receita, a escolha do paciente (muito mais do que a determinação do provedor de saúde) pode contribuir para isto. É importante discutir os riscos e benefícios do uso de aspirina com os pacientes.


 Ressalta-se ainda que o benefício do uso de aspirina para a prevenção primária das doenças cardiovasculares em pacientes recebendo terapia com estatina deve ser avaliada, tendo em vista o exposto até aqui.


 Acesso ao Artigo:

Acesso ao artigo (livre via Periódicos CAPES):


Acesso ao Editorial sobre o artigo 
(Ou tente acesso via periódicos CAPES)


Cobertura do Blog Medicina de Família BR sobre Aspirina na Prevenção Primária de DCV:

13 Jan 2012

Leia ainda:

13 Ago 2014



Links de interesse citados ao longo dessa postagem:

Acesso ao Statement de 2014 do FDA: 


Acesso ao Position Paper de 2014 da ESC:


Acesso ao Guideline da AHA:


Acesso as recomendações a USPSTF:



Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi no Blog http://medicinadefamiliabr.blogspot.com