Como se estuda o que não se diz: uma revisão sobre demanda oculta
Nesse artigo, Antônio Modesto e Márcia Couto discutem o problema da demanda oculta de pacientes na consulta, algo recorrente em especial na prática da APS.
O que já se sabe:
Profissionais de saúde não investigam demandas ocultas, e há uma vasta literatura apontando motivos para realizá-las e ensinando como fazer, mas parece haver pouca discussão sobre por que isso ocorre.
O que este estudo trás:
Embora conheçamos como síndrome da maçaneta, os autores pondera que demanda oculta parece a melhor forma de chamar as queixas ou preocupações tardias ou mais dificilmente expressadas.
A revisão encontrou 210 artigos ao longo de 15 anos, e depois de excluídos artigos que apontavam questões específicas ou não ligados a prática clínica, foram discutidos os resultados encontrados. Um número significativo de artigos partiu de Médicos de Família e Comunidade, e poucos artigos sobre o tema são brasileiros, demonstrando a ainda frágil possibilidade de pesquisas sobre o tema.
Outro ponto interessante do artigo é conhecer um pouco mais sobre as técnicas usadas para este tipo de análise. Estudos sobre a relação médico-paciente em geral são mais trabalhosos em termos de coleta de dados, e em geral ou criam informações pouco claras para serem tabuladas quantitativamente, ou geram resultados qualitativos diversos, com categorizações múltiplas e análises complexas.
De maior importância, os autores ressaltam que é fundamental revelar a demanda oculta para um diagnóstico biopsicossocial integral, permitindo ao médico oferecer tratamento apropriado, e está relacionado às habilidades de comunicação de escutar e interpretar pistas não verbais, e que quando os médicos entendem as preocupações dos pacientes, há maior satisfação e adesão ao tratamento. Uma estratégia interessante apontada pelo autor é a de usar mais questões abertas e perguntar por outras demandas várias vezes na consulta, com foco num espaço maior para a formulação de preocupações .
Leia o resumo:
Objetivos: Pessoas com demandas aparentemente bem delimitadas podem, muitas vezes, ter queixas ou preocupações ocultas ou tardiamente apresentadas, chamadas em inglês de hidden agenda, by the way syndrome ou doorknob syndrome (“síndrome da maçaneta”). Poucos trabalhos abordam o fenômeno em contexto clínico discutindo seus aspectos ou consequências sobre o cuidado do ponto de vista sociocultural. Uma pesquisa qualitativa sobre saúde dos homens realizada pelos autores exigiu estudar a produção científica relacionada à hidden agenda de forma descritiva e interpretativa. Métodos: Esta revisão, do tipo estado da questão, abarcou artigos que tratassem da hidden agenda (ou expressões similares) no contexto clínico geral ou especializado, médico ou multiprofissional, em português, inglês ou espanhol, no período de 2000 a 2014. Partindo de 210 resultados iniciais em 3 bases de dados internacionais, foram selecionadas 39 publicações, que foram avaliadas quanto a características objetivas e subjetivas. Resultados: Identificando os temas predominantes nas pesquisas, notamos que hidden agenda é a expressão mais específica, sendo demanda oculta sua melhor tradução. Quase todos os estudos relacionavam a atenção a demandas ocultas a melhores desfechos ou desdobramentos do atendimento, embora nenhum avaliasse essas consequências de forma aprofundada. Conclusão: A revisão deixa claro que a demanda oculta é um elemento problematizador para pensar a prática médica e potencializador para a clínica, especialmente ao buscar-se um cuidado integral e um diálogo efetivo entre profissional e usuário(a). São necessários estudos que articulem o fenômeno a aspectos socioculturais ou tecnoassistenciais e que contemplem alguma discussão sobre construção da demanda, ausente nos artigos revisados.
Publicado originalmente em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com