segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Revisão Sistemática condena intervenções no estresse pós-traumático

Multiple session early psychological interventions for the prevention of post-traumatic stress disorder

Revisão Sistemática Cochrane de 2011 estudou intervenções psicológicas de múltiplas sessões para a prevenção do chamado "transtorno" de estresse pós-traumático. Alguns profissionais, especialmente os da Atenção Primária, questionam o estresse pós-traumático como entidade nosológica, assim como alguns outros "transtornos". Segundo esta corrente, definir situações de vida normal como doenças ("inventar doenças" - mongering diseases) serve a interesses diversos, e é nocivo ao paciente.

Para ilustrar, o vídeo abaixo dá uma dimensão da discussão entre o que é normal, o que é diferente do normal, o que é anormal e o que realmente é doença. Em linhas gerais, para a medicina aquilo que se desvia do padrão é rotulado como doença. Nem sempre é.



Segundo a Revisão Sistemática Cochrane, os eventos traumáticos podem ter impacto significativo sobre os indivíduos, famílias e comunidades, e uma única sessão, como anamnese psicológica, anteriormente utilizada para prevenir as dificuldades persistentes, se mostraram ineficazes na prevenção de "transtorno" de estresse pós-traumático (TEPT).

Uma série de outras formas de intervenção foram desenvolvidas para tentar impedir que indivíduos expostos ao trauma desenvolver TEPT. A revisão avaliou os resultados de 11 estudos que testaram uma gama diversificada de intervenções psicológicas destinadas a prevenir TEPT .

Principais resultados: onze estudos com um total de 941 avaliados avaliaram intervenções breves psicológicas destinadas a prevenir TEPT em indivíduos expostos a um evento traumático específico, analisando uma série heterogênea de intervenções.
Oito estudos foram inclusos em uma meta-análise. Não houve diferenças significativas entre as condições de tratamento e controle de medidas primárias de desfecho para estas intervenções no resultado inicial (k = 5, n = 479; RR 0,84 IC 95% 0,60-1,17).
Houve uma tendência para o aumento de auto-relato de sintomas do TEPT em 3 a 6 meses de seguimento para aqueles que receberam uma intervenção (k n = 4, = 292; SMD 0,23 IC95% 0,00-0,46). Dois estudos compararam uma memória estruturação de intervenção contra a escuta de suporte. Não houve evidências da eficácia desta intervenção.

Conclusões dos autores: os resultados sugerem que não há intervenção psicológica recomendável para uso rotineiro na sequência de acontecimentos traumáticos e que intervenções de várias sessões, assim como as intervenções da sessão única, pode ter um efeito adverso sobre alguns indivíduos. A implicação prática claro disso é que as intervenções de várias sessões destinadas a todos os indivíduos expostos a eventos traumáticos não deve ser utilizadas. Além disso, são necessários estudos melhor concebidos para explorar novas abordagens para a intervenção precoce.

Ou seja, os resultados não apontaram evidências científicas para apoiar a utilização de uma intervenção oferecida a todos e ainda por cima há algumas evidências de que intervenções múltiplas sessões podem resultar em pior desfecho que a não intervenção em alguns indivíduos. Em outras palavras: intervenção no estresse pós-traumático, seja ele um transtorno ou doença ou normal, é iatrogenica. E esta é uma evidência científica de nível I.

Acesse o artigo da Cochrane:




Leia mais sobre "doenças inventadas" (mongering diseases). Este artigo é bem didático e traz os principais conceitos sobre a discussão. E este livro também.


Publicado originalmente em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

2 comentários:

  1. De fato, existe evidência científica de que não existem intervenções capazes de prevenir o transtorno do estresse pós-traumático. Sem entrar na questão da validade do diagnóstico, existem sim estudos comprovando a eficácia de certas intervenções para melhorar o sofrimento psíquico de pessoas diagnosticadas com o TEPM, ou seja, existe evidência científica do tratamento.

    ResponderExcluir
  2. Xará,

    O que significa, em outras palavras, que devemos atuar naqueles pacientes que, uma vez submetidas ao trauma, uma vez desenvolvidos sintomas que não são passageiros, entram em um quadro realmente psiquiátrico (de depressão, por exemplo, e não de tristeza aguda).

    O que é diferente de abordar todo mundo que sofreu qualquer trauma. Prevenção pode ser nociva, e o preventivismo também faz mal a saúde.

    ResponderExcluir