domingo, 22 de junho de 2014

Recomendações da ADA para abordagem de Crianças com Diabetes Tipo 1

Type 1 Diabetes Through the Life Span: A Position Statement of the American Diabetes Association 
CHIANG, JL et al. 
Diabetes Care Publish Ahead of Print, published online June 16, 2014 
Position Statement – Diabetes Care - care.diabetesjournals.org

O artigo, publicado na Diabetes Care, que definiu um novo ponto de corte para a HbAC1, abrange também outros aspectos da gestão de diabetes.

Há um excelente quadro que aponta elementos de abordagem individual e familiar de acordo com faixa etária e tarefas a cumprir do ciclo de vida:

Estágios de desenvolvimento (idades)
Tarefas normais do desenvolvimento
Prioridades de gestão da clínica no diabetes tipo 1
Abordagem familiar na gestão do diabetes tipo 1
Infância (0-12 meses)
O desenvolvimento de uma relação de confiança ou vínculo com cuidador primário (s)
Prevenção e tratamento da hipoglicemia;
Evitar flutuações extremas nos níveis de glicose no sangue.
Lidar com o stress;
Divisão dos encargos de cuidado para evitar o burnout dos pais.
Criança (13-26 meses)
Desenvolver um senso de domínio e autonomia
Prevenir hipoglicemia;
Evitar flutuações extremas nos níveis de glicose no sangue devido à ingestão irregular de alimentos.
Estabelecer um cronograma
Gerenciar o picky eater (“beliscador”);
Definir limites e lidar com a falta de cooperação com regime da criança;
Compartilhar a sobrecarga de cuidados.
Pré-escolar e ensino fundamental precoce (3-7 anos)
Desenvolver iniciativa em atividades e confiança em si
Prevenir hipoglicemia
Lidar com o apetite e a atividade imprevisível;
Reforço positivo da cooperação com regime;
Confiar a outros cuidadores a gestão de diabetes.
Reafirmar criança que a diabetes é culpa de ninguém;
Educar outros profissionais de saúde sobre o gerenciamento de diabetes.

Ensino fundamental tardio (8-11 anos)
Desenvolver competências nas áreas esportivas, cognitivas, artísticas e sociais;
Consolidar a auto-estima em relação ao grupo de pares.
Fazer um regime flexível de diabetes para permitir a participação na escola ou atividades de pares;
Otimizar o aprendizado da Criança sobre benefícios de curto e longo prazo de controle.

Manter o envolvimento dos pais na insulinoterapia e controle glicêmico, permitindo simultaneamente para autocuidado independente para ocasiões especiais;
Continuando a educar a escola e outros profissionais de saúde.
Adolescência precoce (12-15 anos)
Gerenciando mudanças no corpo;
Desenvolvimento de um senso de auto-identidade mais forte.
O aumento da necessidade de insulina durante a puberdade;
Gestão e controle de Diabetes  e glicemia cada vez mais difícil;
Abordar preocupações com o peso e imagem corporal.
Renegociar pai e os papéis do adolescente no controle do diabetes para ser aceitável para ambos;
Aprender habilidades de enfrentamento para melhorar a capacidade de se auto-gerir.
Prevenção e intervenção em conflitos familiares relacionadas com a diabetes
Monitorar sinais de depressão, transtornos alimentares e comportamentos de risco.
Adolescência tardia (16-19 anos)
O estabelecimento de um senso de identidade depois do ensino médio (decisões sobre a localização, as questões sociais, trabalho e educação).
Iniciar discussão de curso de transição para uma nova equipe de diabetes (discussão pode começar em anos anteriores adolescentes);
Integrar diabetes num novo estilo de vida.
Apoiar a transição para a independência;
Aprender habilidades de enfrentamento para melhorar a capacidade de se auto-gerir;
Prevenir e intervir com conflitos familiares relacionadas com a diabetes;
Monitorar sinais de depressão, transtornos alimentares e comportamentos de risco.
FONTE: Adaptado e traduzido de ADA, 2014

A ADA ainda sugere o seguinte roteiro de avaliação para crianças e adolescentes:
Avaliação Clínica
Inicial
Anual
Acompanhamento trimestral
Altura
X
X
X
Peso
X
X†
X†
Percentil do IMC
X
X
X
Pressão arterial
X
X
X
Exame físico geral
X
X

Exame da tireoide
X
X
X
Avaliação de locais de insulinoterapia
X (se já em insulinoterapia)
X
X
Exame abrangente dos pés
 Se necessário, baseado na idade
Começando com adolescentes mais velhos com diabetes desde a infância

Exame visual dos pés

X
Se necessário, baseado em características de alto risco.
Exame da retina com oftalmologista
Em alguns casos, pode ser feita a cada 2 anos (ver ADA Standards of Care)

Screening de depressão
X
X
X
Avaliação de hipoglicemia
X
X
X
Habilidades de auto-cuidado
X
X
X
Avaliação de atividades físicas
X
X
X
Avaliação de questões relevantes (por exemplo, álcool, drogas e tabagismo, uso de contraceptivos; condução)
X
Conforme necessidade para adolescentes
Conforme necessidade para adolescentes
Conhecimento nutricional
X
X
Conforme necessidade
Consulta para evidenciar outra doença autoimune
X
Conforme necessidade
Conforme necessidade
Imunizações recomendadas pelo CDC
X
X
Conforme necessidade
* Considerando que um paciente tem um médico para administrar as avaliações de saúde não relacionadas ao Diabetes e para realizar avaliações anuais rotineiras.
† O paciente pode optar por abandonar a avaliação, se psicologicamente angustiante.
‡ Inspeção do pé deve ser feita em cada consulta, e o auto-exame ensinado, se características de alto risco estão presentes. Exame abrangente pé inclui: inspeção, palpação de pulso pedioso e tibial posterior, presença ou ausência de reflexos patelar e aquileu, e determinação de propriocepção, vibração e sensação de monofilamento.
§ Dentro de cinco anos após o diagnóstico.
FONTE: Adaptado e traduzido de ADA, 2014


E de exames laboratoriais:
Exames laboratoriais
Inicial
Anual
Acompanhamento
HbA1C
X
X
A cada 3 meses
Clearence de Creatinina e Ritmo de Filtração Glomerular
X
X

Perfil lipídico||
Uma vez que estabilizar a glicemia
X
Conforme necessidade baseado no tratamento.
TSH
X
Conforme necessidade baseado em sintomas clínicos, presença de anticorpos e/ou se sob tratamento.
Frequência varia de acordo com tratamento
Anticorpos antitireoideanos (antithyroid peroxidase/ Ac-anti-tireoglobulina)
X
Frequência de teste é desconhecida; testar se os sintomas estão presentes ou para rastreamento periódico
Repetir se clinicamente indicado.

Perfil de anticorpos celíacos
X
Frequência de teste é desconhecido; teste se os sintomas estão presentes ou para rastreamento periódico
Repetir se clinicamente indicado.

Relação albumina/ creatinina urinária
Iniciando 5 aos após o diagnostico.
X
Conforme necessidade baseado no tratamento
Anticorpos anti-ilhotas: GADA
IA2A/IAA
ZnT8

X
Pode ser necessário em pacientes de início recente para estabelecer o diagnóstico
Níveis de peptídeo-C
X
Às vezes necessário estabelecer diabetes tipo 1 em um paciente com insulina ou para verificar diabetes tipo 1 para fins de seguro - sempre medir nível de glicemia ao mesmo tempo.


 ||Se triglicérides estiverem elevados em uma amostra não jejum, medir o nível direto de colesterol LDL. FONTE: Adaptado e traduzido de ADA, 2014

O artigo está publicado originalmente e disponível em livre acesso no seguinte link:

Veja no Blog Medicina de Família BR as explicações e evidências da ADA para adoção do novo ponto de corte.


Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

quarta-feira, 18 de junho de 2014

ADA recomenda valores alvo de HbA1c mais rigorosos para Crianças com Diabetes Tipo 1


Type 1 Diabetes Through the Life Span: A Position Statement of the American Diabetes Association 
CHIANG, JL et al. 
Diabetes Care Publish Ahead of Print, published online June 16, 2014 
Position Statement – Diabetes Care - care.diabetesjournals.org


Em uma Position Statement, a Associação Americana de Diabetes (ADA – American Diabetes Association) aponta que todas as crianças com diabetes tipo 1 devem manter um valor-alvo de hemoglobina A1C inferior a 7,5%.

Anteriormente, os diferentes grupos etários pediátricos tinham valores-alvos diferentes, e estes poderiam chegar a 8,5%. Os critérios diagnósticos para Diabetes seguem os mesmos:

HbA1C ≥ 6,5%. O teste deve ser realizado em um laboratório, utilizando um método certificado pelo NGSP* e padronizado para o ensaio DCCT **.
OU
Glicemia de jejum ≥ 126 mg / dL (7,0 mmol / L). O jejum é definido como nenhuma ingestão calórica por pelo menos 8 horas.
OU
 Glicemia ≥ 200 mg / dL (11,1 mmol / L), 2 horas após teste de tolerância à glicose oral.  O teste deve ser realizado como descrito pela Organização Mundial de Saúde, usando uma carga de glicose contendo o equivalente a 75 g de glicose anidra dissolvida em água.
OU
 Em um paciente com sintomas clássicos de hiperglicemia ou crise hiperglicêmica, um glicemia aleatória ≥ 200 mg / dL (11,1 mmol / L).
* National Glycohemoglobin Standardization Program
** Diabetes Control and Complications Trial
Na ausência de hiperglicemia inequívoca, o resultado deve ser confirmado por testes de repetição.
 FONTE: Adaptado e traduzido de ADA, 2014

A mudança se deve a novas evidências acerca dos potenciais efeitos nocivos da hiperglicemia prolongada em crianças. A ADA enfatiza que o tratamento ainda deve ser individualizado com base na idade do paciente, duração do diabetes, comorbidades e outros fatores para alcançar o melhor controle glicêmico e ao mesmo tempo reduzir os riscos para a hiperglicemia grave e hipoglicemia. 

Historicamente, a ADA recomendava metas de HbA1C mais elevados para as crianças devido a uma combinação de prática clínica não baseadas na melhor evidência científica: uma que apontava que a hipoglicemia recorrente grave com convulsão e/ou coma em crianças pequenas foi associada com comprometimento neurocognitivo, mas em uma época em que não havia análogos de insulina, monitores de fácil utilização de glicose no sangue, "bombas inteligentes", e dispositivos de controle de glicemia; e outra que questionava se havia impacto dos níveis de glicemia e HbA1C antes da puberdade no desenvolvimento de futuras complicações a longo prazo da diabetes.

Foto: Leonardo Savassi. Ilustração: Lucas


Artigos mais recentes (vide abaixo), porém, sugeriram que a hiperglicemia e a variabilidade glicêmica estão associados a mudanças na substância branca do sistema nervoso central, como observado em exames de ressonância magnética.

Assim, a ADA avaliou a baixa evidência relacionada com os efeitos adversos da hipoglicemia no desenvolvimento do cérebro e incluiu as evidências recentes dos potenciais riscos da hiperglicemia e variabilidade de glicose no sistema nervoso central, e alterou a recomendações para metas glicêmicas em pacientes pediátricos com diabetes tipo 1, que já eram diversas da Sociedade Internacional de Diabetes Pediátrico e do Adolescente  (ISPAD), que usa um único valor-alvo da HbA1C, de 7,5% em todos os grupos etários da infância.

As referências que fizeram a ADA mudar de ideia – e a tradução dos elementos mais fundamentais de seus abstracts - foram:

Cato MA, Mauras N, Ambrosino J, et al.; Diabetes Research in Children Network (DirecNet). Cognitive functioning in young children with type 1 diabetes. J Int Neuropsychol Soc 2014;20: 238–247:
“o QI e os escores dos domínios funções executivas tenderam inferiores para crianças com DM1 em relação aos controles (p=0,02, de ajuste não estatisticamente significativo para comparações múltiplas). As crianças com DM1 foram classificadas pelos pais como tendo mais sintomas depressivos e somáticos (p menor que 0,001). Aprendizagem e memória (p=0,46) e velocidade de processamento (p=0,25) foram semelhantes.” 

 Marzelli MJ, Mazaika PK, Barnea-Goraly N, et al.; Diabetes Research in Children Network (DirecNet). Neuroanatomical correlates of dysglycemia in young children with type 1 diabetes. Diabetes 2014;63:343–353 
“Imagens de ressonância magnética estrutural do cérebro foram adquiridas em 142 crianças com DM1 e 68 indivíduos controle pareados por idade (idade média de 7,0 ± 1,7 anos) em seis scanners idênticos. (...) Em relação aos controles, o grupo com DM1 demonstrou diminuição do volume de substância cinzenta (GMV) em occipital bilateral e regiões do cerebelo (p menor que 0,001) e aumento da GMV no pré-frontal esquerdo inferior, ínsula, e regiões pólo temporal (p = 0,002). Dentro do grupo da DM1, a exposição hiperglicêmica foi associada com a diminuição da GMV em regiões temporo-occipitais frontal medial e aumento da GMV em regiões pré-frontais laterais. Correlações cognitivas de quociente de inteligência para GMV foram encontrados em regiões do cerebelo-occipitais e medial córtex pré-frontal para indivíduos do grupo controle, como esperado, mas não para o grupo DM1. Assim, a DM1 precoce afeta as regiões do cérebro associadas com o desenvolvimento normal cognitiva.”

Donaghue KC, Fairchild JM, Craig ME, et al. Do all prepubertal years of diabetes duration contribute equally to diabetes complications? Diabetes Care 2003;26:1224–1229  
“Neste estudo, 193 adolescentes com diabetes de início pré-púberes foram seguidos longitudinalmente para a retinopatia (fundo cedo e clínica) e microalbuminúria (taxa de excreção de albumina acima de 7,5 mg/ min e acima de 20 mg/ min). A análise de regressão logística múltipla foi utilizada para comparar o efeito da duração da pré-e pós-puberdade diabetes no risco de complicação em cada 90 indivíduos reavaliados como jovens adultos. A duração pré-puberal melhorou a previsão para a retinopatia sobre duração pós-puberdade só nos adultos jovens. O período livre de retinopatia e microalbuminúria foi significativamente mais longo (2-4 anos) para aqueles diagnosticados antes dos 5 anos de idade em comparação com aqueles diagnosticados após a idade de 5 anos. Tempo para o início de todas as complicações aumentou progressivamente com maior duração do DM antes da pubarca. HbA1c maior durante a adolescência teve um efeito independente sobre o risco de retinopatia e microalbuminúria. Duração do diabetes em pré-púberes continua a ser um preditor significativo de retinopatia em adultos jovens. O efeito do tempo sobre o risco de retinopatia e microalbuminúria é não uniforme, com um maior atraso no aparecimento de complicações em pacientes com uma maior duração pré-puberdade. Estes resultados são de grande importância clínica, ao definir metas de controle glicêmico em crianças pequenas que estão em maior risco de hipoglicemia.”

Barnea-Goraly N, Raman M, Mazaika P, et al.; Diabetes Research in Children Network (DirecNet). Alterations in white matter structure in young children with type 1 diabetes. Diabetes Care 2014;37:332–340 
“Crianças (de 4 a 10 anos) com diabetes tipo 1 (n = 127) e controles não diabéticos da mesma idade (n = 67) tiveram ressonância magnética de difusão ponderada neste estudo multicêntrico de neuroimagem. (...) Análise entre os grupos mostrou que as crianças com diabetes tipo 1 tinham difusividade axial (AD) reduzida significativamente em regiões cerebrais generalizadas em comparação com indivíduos controle. Dentro do grupo de diabetes tipo 1,o início mais precoce de diabetes foi associado com o aumento da difusividade radial (RD) e maior duração foi associada com AD reduzida, RD reduzida, e aumento da anisotropia fracionada (FA). Além disso, os valores de HbA1c foram significativamente associados negativamente com valores da FA e foram associados positivamente com valores da RD em regiões cerebrais generalizadas. Associações significativas de AD, RD, e FA foram encontradas para as medidas de hiperglicemia e variabilidade da glicose na monitorização contínua, mas não para hipoglicemia. Por fim, observamos uma associação significativa entre a estrutura da substância branca cerebral e a capacidade cognitiva em crianças com diabetes tipo 1, mas não em indivíduos controle. Estes resultados sugerem a vulnerabilidade do cérebro em crianças jovens para o desenvolvimento de efeitos da diabetes do tipo 1 associados com hiperglicemia crônica e variabilidade da glicose.”
O artigo, publicado na Diabetes Care,  abrange também outros aspectos da gestão de diabetes. Há um excelente quadro que aponta elementos de abordagem individual e familiar de acordo com faixa etária e tarefas a cumprir do ciclo de vida, roteiro de anamnese, exame físico e exames complementares. A tradução destes quadros está publicado também no Blog Medicina de Família BR.

Segundo a ADA, essa recomendação é baseada em estudos clínicos e opinião de especialistas, e uma melhor evidência científica não existe no momento. Especificamente, a recomendação deriva da combinação de experiência clínica e de estratégias de manejo intensivo que oferecem oportunidades para atingir o controle glicêmico o mais próximo do normal quanto possível, sem a ocorrência de hipoglicemia grave

O artigo está publicado originalmente e disponível em livre acesso no seguinte link:

Veja aqui no Blog Medicina de Família BR as recomendações da ADA para abordagem de crianças com DM1.

Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com