segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

É preciso abordar de maneira diferente o luto complicado em idosos?

Treatment of Complicated Grief in Elderly PersonsA Randomized Clinical Trial


Entenda:

Os conceitos de tristeza, luto complicado e depressão são, por vezes, difíceis de distinguir. Isto é especialmente verdade se o luto é recente, ou seja, após a morte de um ente querido ou outra pessoa significativa. Na atenção primária (e em psiquiatria), é difícil dizer se um paciente que acaba de perder um ente querido está experimentando dor ou depressão, ambos, ou nenhum. Infelizmente, esses termos são freqüentemente usados de uma forma confusa, tanto popularmente e em parte pelos profissionais de saúde.

"Depressão" é um termo amplamente utilizado de forma errada para descrever tanto a tristeza diária auto-limitada e benigna que todos experimentamos ao longo do tempo, bem como um termo genérico para um grupo de doenças mentais graves, muitas vezes, bastante malignas, agrupados sob o rótulo de "depressão maior". 

Este último, por sua vez, engloba um grupo de condições clínicas importantes: episódios depressivos major (EDM) visto em transtornos do humor bipolar, transtorno depressivo maior (TDM), ou depressão "unipolar"; e transtorno depressivo persistente, o que pode ou não ter sinais ou sintomas menos intensos do que o TDM, mas é marcado por sua persistência (duração mínima de 2 anos).

Cada quadro clínico destes é heterogêneo, compreendendo um espectro de gravidade que varia do "relativamente leve" ao "muito grave", podendo (não necessariamente) ser associados com características de ansiedade, mistas, melancólicas, atípicas, ou psicóticas, e ainda podendo estar em plena floração ou em remissão parcial ou total.

Para ajudar a diferenciar o tipo não-clínico de depressão - a tristeza ou melancolia - das condições clínicas, é importante lembrar que nenhuma condição clínica deve ser diagnosticada se estiverem ausentes três características fundamentais:

  • Gravidade (pelo menos cinco dos sintomas característicos);
  • Duração (a maior parte do dia, quase todos os dias, durante pelo menos 2 semanas); e
  • Patologia (sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo).

Seja ou não desencadeada por uma adversidade da vida (como o próprio luto), a depressão maior tende a ser crônica (pelo menos 20% de todos os episódios duram 2 ou mais anos) e recorrente (pelo menos 90% dos episódios agudos reincide). Em suas formas mais graves, o doente se torna isolado e a vida em curso pode parecer insustentável, abrindo margem para o suicídio como uma solução real e possível. 

Em consonância com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição (DSM-5), a classificação de transtornos mentais é um processo dinâmico, este sistema de classificação se destina a servir como um "guia prático, funcional e  flexível para a organização de informações que podem auxiliar no diagnóstico e tratamento de transtornos mentais de maneira precisa" e é necessário julgamento clínico e cautela para "fechar" um diagnóstico.

Assim, se uma pessoa preenche critérios para uma das condições clínicas, mas é um primeiro episódio e relativamente leve (por exemplo, apenas cinco ou seis sintomas são atendidas e estes não incluem sentimentos de inutilidade ou ideação suicida), breve (menos de 1 ou 2 meses) e apenas minimamente danoso, pode fazer sentido para atrasar a fazer um diagnóstico formal ou definitiva, enquanto mais informação é recolhida e uma demora permitida (watchfull waiting) possa avaliar se os sintomas se consolidarão ao longo da vida. Assim como é importante não superdiagnosticar (overdiagnosisa tristeza da vida cotidiana como depressão maior




O que este artigo acrescenta:

Às vezes, a depressão maior parece ocorrer fora da melancolia/ tristeza, sem aviso; às vezes seu início é gradual e quase imperceptível; e, por vezes, parece ser provocada, ou intensificada, por eventos de vida estressantes, como a morte de um ente querido. Quando isso acontece, um ciclo reverberando em conjuntos: A depressão aumenta o stress, intensifica a dor, e pode até interferir com a resolução do luto, preparando o palco para uma condição chamada "luto complicado".

Como visto, depressão, tristeza e luto complicado podem ser difíceis de distinguir um do outro. Muitas vezes pessoas em situação de luto são tratadas com antidepressivos ou terapias cognitivo-comportamentais voltadas para a depressão. 

Se não houvesse diferença nos desfechos finais, ou seja, na superação do luto, não haveria necessidade de se estabelecer tratamentos clínicos diferenciados, já que o diagnóstico seria meramente uma formalidade (ou capricho) clínica e não alteraria os desfechos que importam para o paciente. 

No entanto, um estudo publicado recentemente no JAMA Psychiatry - o primeiro estudo randomizado controlado a explorar o tratamento de "luto complicado" (Complicated Grief - GC) em uma população idosa - enfatiza que é importante reconhecer que os pacientes quando de luto também podem sofrer por comorbidade psicopatológica, demandando cuidados adequados.

Apesar do artigo não estar em livre acesso nem via Periódicos CAPES, o que pode-se perceber claramente é que abordar o luto e/ou o luto complicado é algo diferente de abordar depressão, e que há diferentes tratamentos para cada um deles, o que justifica sua diferenciação. Igualmente por não estar em livre acesso, não conseguimos aqui explicitar como se deram as 16 sessões de maneira clara para o tratamento para o Luto Complicado; os autores usaram como grupo controle a psicoterapia interpessoal com foco no sofrimento, método consagrado para o tratamento de depressão. 

Devem ser ressaltadas as limitações do número de pacientes abordados e em especial as questões de validade externa do artigo:foi realizado em estadunidenses de Nova Iorque, e abordando um tema tão ligado a questões culturais quanto o luto. Um outro ponto é o uso da Escala "Inventário de Luto Complicado" (Inventory of Complicated Grief) como diagnóstico, que até onde pesquisei não foi testado ou validado para a cultura brasileira e portanto, não é possível distinguir se aquelas pessoas classificadas como "em luto" seriam as mesmas que abordamos no Brasil com essa mesma avaliação.

De qualquer maneira, é a primeira evidência sólida a apontar que não devemos tratar luto complicado como tratamos depressão, seja com antidepressivos simplesmente, ou com psicoterapia não específica, exigindo um olhar atento a situação de luto complicado. 


Leia o resumo traduzido:

IMPORTÂNCIA: Luto complicado (CG, de Complicated Grief) é uma condição debilitante, mais prevalente em pessoas idosas. No entanto, para nosso conhecimento, nenhum ensaio clínico randomizado em larga escala tem estudado CG nesta população.
OBJETIVO: Para determinar se o tratamento do luto complicado (CGT - Complicated Grief Therapy) produz maior melhora em CG e os sintomas depressivos do que a psicoterapia interpessoal com foco no sofrimento (IPT - Interpersonal Psychotherapy).
DESENHO, CONFIGURAÇÃO e PARTICIPANTES: Ensaio clínico randomizado com 151 indivíduos com 50 anos ou mais (média de idade [DP], 66,1 [8,9] anos) pontuação de pelo menos 30 no Inventário de luto complicado (ICG). Os participantes foram recrutados a partir da área metropolitana de Nova Iorque, de 20 de agosto de 2008 até 7 de janeiro de 2013, e randomizados para receber CGT ou IPT. O principal resultado foi avaliado em 20 semanas após a linha de base, com medidas provisórias coletadas em 8, 12 e 16 semanas após o início do estudo.
INTERVENÇÕES:Dezesseis sessões de CGT (n = 74) ou do IPT (n = 77) entregues aproximadamente semanal.
RESULTADOS E MEDIDAS PRINCIPAIS:Taxa de resposta ao tratamento, definida como uma classificação de um avaliador independente de melhoria grande ou muito grande sobre a subescala da escala de Impressão Clínica Global.
RESULTADOS: Ambos os tratamentos produziram melhora nos sintomas do CG. A taxa de resposta para CGT (52 indivíduos [70,5%]) foi mais que o dobro do que para a IPT (24 [32,0%]) (risco relativo 2,20 [IC 95%, 1,51-3,22]; P < 0,001), com o número necessário para tratar (NNT) de 2.56. As análises secundárias de gravidade do CG e sintomas e questionário de medida de desfuncionalidade por CG confirmou que CGT conferiu significativamente maior mudança na gravidade da doença (22 indivíduos [35,2%] no grupo CGT vs 41 [64,1%] no grupo IPT ainda estavam pelo menos moderadamente doentes [P = 0,001]), a taxa de redução dos sintomas de CG (1,05 ICG pontos por semana para CGT vs 0,75 pontos por semana para IPT [t633 = 3,85; P < 0,001]), e a taxa de melhoria na disfuncionalidade por CG (0,63 pontos por semana na Escala de Adequação Social e Trabalho com a CGT e 0,39 pontos por semana com a IPT [T503 = 2,87; P = 0,004]). Os resultados não foram moderados pela idade dos participantes.
CONCLUSÕES e RELEVÂNCIA: Tratamento de luto complicado produziu clinicamente e estatisticamente significativamente maiores taxas de resposta para os sintomas de CG do que um tratamento eficaz comprovado para a depressão (IPT). Os resultados apoiam fortemente a necessidade de médicos e outros prestadores de cuidados de saúde distinguirem CG de depressão. Dada a crescente população idosa, a alta prevalência de luto em indivíduos idosos, bem como o impacto físico e psicológico marcado de CG, os médicos precisam saber como tratar CG em adultos mais velhos.
Registro dos ensaios: clinicaltrials.gov Identifier: NCT01244295.


Acesse o artigo:



Saiba Mais:

Linha guia da American Psychiatric Association para Depressão

Intervenções breves para Depressão em APS

Triagem de depressão na infância e adolescência


Publicado por Leonardo Savassi originalmente em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com

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