J Pediatr. 2013; 163: 1618-1623
Entenda:
Síncope é uma situação em que um indivíduo tem perda súbita de consciência, como resultado da redução do fluxo sanguíneo craniano, seguido de rápida recuperação, e são relativamente comuns em crianças, embora poucos episódios de síncope tenham realmente causas de origem cardíaca.
O objetivo do estudo foi melhorar o atendimento para crianças com síncope, especificamente com foco em "síncope vasovagal" provável. Foram estudadas 89 crianças encaminhadas para uma clínica de cardiologia pediátrica para avaliação de síncope, cujo diagnóstico final foi de "síncope vasovagal" e então comparadas com 17 crianças com causas cardíacas de síncope.
A revisão dos dados incluiu fatores que poderiam ser precursores em potencial para episódios de síncope e presença de história familiar de eventos cardíacos (todos os tipos). A avaliação incluiu também registros ambulatoriais e de emergência e dados laboratoriais para os sintomas de síncope antes do encaminhamento para a clínica de cardiologia.
Este artigo ilustra de maneira bem simples os desafios de tentar analisar a epidemiologia clínica de uma situação pouco comum, a verdadeira "síncope cardíaca", para qual a magnitude dos dados e a população de amostra em estudo tornam difíceis análises epidemiológicas de maior monta. O estudo é mais analítico que um grande trial baseado em evidências, mas sugere qual é o limite clínico acima do qual um médico de atenção primária deve agir ou encaminhar para outros âmbitos de atenção.
Resultados:
Dos 17 pacientes com uma causa cardíaca de síncope, 10 apresentaram-se previamente ao departamento de emergência com parada sem pulso. Estas crianças foram consideradas um bom controle para representar paradas cardíacas súbitas abortadas na emergência. As diferenças significativas entre as crianças com síncope cardíaca e vasovagal são mostrados na tabela.
Tabela: diferenças entre síncope cardíaca e vaso-vagal com diferença
estatisticamente significativa.
estatisticamente significativa.
Variável
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Tipo de Síncope
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Cardiaca
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Vasovagal
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A idade média (anos)
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10.5
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12.7
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Evento de síncope anterior
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29%
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64%
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Síncope relacionada a atividade física
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65%
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18%
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Síncope no pico de exercício
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53%
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6%
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Eventos de pré-síncope
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12%
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69%
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Qualquer gatilho (ansiedade, nocivo)
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0%
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24%
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Tempo prolongado de pé
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0%
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24%
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A ressuscitação cardiopulmonar antes da avaliação
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65%
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0%
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A história familiar não alcançou diferença com significância estatística e portanto não foi útil para diferenciar a causa da síncope, apesar de uma história familiar positiva ser ligeiramente mais comum entre as crianças com uma causa cardíaca (41%) do que uma causa vasovagal (25%). Não houve diferenças significativas no número de crianças que relataram ou dor no peito ou palpitações antes de seu evento de síncope.
Entre as crianças com uma causa cardíaca de sua síncope, 47% tiveram a síndrome do QT longo registrada e 18% tinham cardiomiopatia. Entre os dois terços das crianças com síncope vasovagal, nas quais uma ECG foi obtido, todos foram considerados normais pelo grupo investigador, ao passo que 76% das crianças com síncope cardíaca teve ECG anormal.
Quando avaliações físicas e laboratoriais foram examinados, 29% das crianças com uma causa cardíaca de síncope tinha um exame físico anormal, em comparação com nenhum dos pacientes que tiveram síncope vasovagal.
Foram analisados também quatro fatores de risco específicos, que a literatura já havia sugerido ser pertinentes para síncope:
- Síncope com esforço,
- História familiar significativa de doença cardíaca,
- Exame físico anormal,
- ECG anormal.
A partir destes fatores, os pesquisadores descobriram que os pacientes do grupo de "síncope cardíaca" tiveram em média 2,1 fatores de risco em comparação com 0,4 para o grupo da"síncope vasovagal" e mais: analisando os dados destas crianças, se fossem limitadas nas referências ao cardiologista apenas para crianças com pelo menos um desses fatores de risco, haveria uma redução de 60% no encaminhamento (desnecessário portanto) de "síncope vasovagal", mantendo todos os encaminhamentos de crianças com "síncope cardíaca".
Discussão:
Os fatores de risco identificados neste estudo podem ser usados na clínica e sugerem certamente que a Atenção Primária pode abordar melhor a síncope em sua prática ou mesmo com poucos ajustes, pela unidade de emergência, com foco em excluir causas cardíacas de síncope.
É porém muito importante ter quaisquer ECG para a triagem de "síncope cardíaca" lidos por alguém com vasta experiência em leitura de ECG infantil ou por um cardiologista (como foi feito neste estudo), ampliando a capacidade de avaliar a função cardíaca destas crianças.
Neste aspecto, tomem-se os exemplos da Telessaúde Brasil e dos centros de Telecardio, que podem prover análises de traçados de ECG em tempo quase real a partir de solicitações da APS a distância, e podemos concluir que com um bom algoritmo clínico somado ao suporte destas tecnologias, a síncope pode ao menos ser classificada no âmbito das Unidades Básicas de Saúde e triada para um encaminhamento mais efetivo daqueles casos que realmente necessitarão de avaliação do especialista.
Em outras palavras: aumentamos a probabilidade pré-teste de sincopes realmente cardíacas no especialista, melhoramos a qualidade da atenção deste e reduzimos o risco de intervenções desnecessárias em quem não necessita.
Acesso ao artigo:
J Pediatr. 2013; 163: 1618-1623 (não está em livre acesso)
Link alternativo no Pubmed: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23992679
Publicado originalmente por Leonardo Savassi em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com a partir do Medscape Pediatrics.
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