Claritromicina - quando co-prescrita com algumas estatinas em idosos - associa-se com aumento do risco de resultados adversos, incluindo mortalidade, de acordo com um estudo observacional publicado no Canadian Medical Association Journal (CMAJ).
Entenda:
As interações medicamentosas podem reduzir a eficácia do tratamento e, em alguns casos, pode aumentar o risco de efeitos adversos graves (por exemplo, miopatia, rabdomiólise, insuficiência renal aguda, ou até mesmo a morte). As agências governamentais, incluindo o Food and Drug Agency, a Health Canada, e da Agência Europeia de Medicamentos anunciam regularmente advertências, alteração de informações de segurança, e recomendações sobre a toxicidade dos medicamentos e interações (links para estes três órgãos ao final desta postagem).
As estatinas são largamente utilizadas no tratamento da dislipidemia e na prevenção secundária de doenças cardiovasculares. São um dos medicamentos mais prescritos em todo o mundo e, portanto, a sua segurança continua a ser uma questão de grande preocupação. Comorbidade e polifarmácia são comuns em usuários de estatinas, e isso é especialmente real em idosos.
A claritromicina é um antibiótico de uso relativamente comum na prática clínica, tendo indicações precisas como opção relevante nas pneumonias atípicas, como parte do coquetel de tratamento de H. pilory ou como alternativa para pessoas alérgicas às penicilinas. A própria claritromicina tem um rol de interações potencialmente graves por exemplo com bloqueadores de canal de cálcio (ver link ao final)
O estudo trazido pelo blog aponta que a co-prescrição de estatinas e claritromicina foi associada com um aumento do risco de lesão renal aguda e da mortalidade por todas as causas.
O que este estudo traz:
A partir de um banco de dados de saúde, os pesquisadores examinaram registros de 100 mil canadenses com idade acima de 66 anos em uso de estatinas mais modernas, ou seja, aquelas que não são metabolizados pelo Citocromo P450 3A4 (CYP3A4) - tais como rosuvastatina, fluvastatina e pravastatina - e que fizeram uso de qualquer claritromicina ou azitromicina. A claritromicina inibe os transportadores de captação hepática OATP1B1 e OATP1B3, enquanto a azitromicina não o faz.
Os autores procuraram então por códigos de doenças (CID) nas internações que tivessem relação com os desfechos a serem avaliados (rabdomiólise, lesão renal aguda ou hipercalemia), e analisaram a mortalidade geral.
Comparados aos pacientes com co-prescrição de azitromicina + estatinas, aqueles com co-prescrição de claritromicina tiveram riscos maiores para hospitalização por lesão renal aguda (risco relativo ajustado, 1,65), hospitalização por hipercalemia (RR, 2,17) e mortalidade (RR, 1,43).
O aumento do risco absoluto foi muito pequeno, dada a relativa raridade dos efeitos deletérios da associação. Segundo os autores, provavelmente menos de 1%, mas dada a gravidade dos eventos advindos da associação estatina-claritromicina, o estudo conclui que deve-se optar pela utilização de azitromicina ou outro antibiótico que não interage com as estatinas para evitar a toxicidade.
Para entender um pouco sobre o efeito da 'raridade' de um evento no aumento ou redução do risco relativo,veja ao final uma apresentação do Slideshare a partir de uma palestra sobre Prevenção Quaternária que explica o efeito real da redução absoluta
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Assim, os profissionais devem estar atentos tanto à claritromicina, um agente antibiótico de uso relativamente frequente, quando às estatinas, que tem seu uso aumentado a cada ano. Os médicos precisam acompanhar as evidências mais atuais por trás dos riscos dessas drogas para se comunicar de forma eficaz e cuidar de seus pacientes.
Antecedentes: A claritromicina, inibidora do citocromo P450 3A4 (CYP3A4), pode também inibir o transporte de polipeptídeos orgânicos aniônicos específicos do fígado (OATP1B1 e OATP1B3). Foi estudado se o uso concomitante de claritromicina e uma estatina não metabolizada pelo CYP3A4 seria associada a um aumento da frequência de eventos adversos graves.
Métodos: Através de grandes bases de dados de saúde, estudamos uma coorte de base populacional de idosos (com idade média de 74 anos) que tomavam uma estatina não metabolizada pelo CYP3A4 (rosuvastatina [76% das prescrições], pravastatina [21%] ou fluvastatina [3%]) entre 2002 e 2013 e para quem foi recentemente prescrita claritromicina (n = 51 523) ou azitromicina (n = 52 518), o último um antibiótico que não inibe nem o CYP3A4 e nem OATP1B1 e OATP1B3. Os desfechos medidos foram internação hospitalar contendo um código de diagnóstico para a rabdomiólise, lesão renal aguda ou hipercalemia, e todas as causas de mortalidade. Todos os resultados foram avaliados no prazo de 30 dias após a co-prescrição.
Resultados: Em comparação com o grupo controle, os pacientes co-prescritos claritromicina e uma estatina não metabolizada pelo CYP3A4 estavam em maior risco de internação hospitalar com lesão renal aguda (risco relativo ajustado [RR] 1,65, 95% intervalo de confiança [IC] 1,31-2,09 ), a admissão com hipercalemia (RR ajustado 2,17, 95% CI 1,22-3,86) e todas as causas de mortalidade (RR ajustado 1,43, 95% CI 1,15-1,76). O RR ajustado para admissão a rabdomiólise foi 2,27 (IC95% 0,86-5,96). O aumento absoluto em risco para cada resultado foi pequeno e provavelmente abaixo de 1%, mesmo depois de termos considerado a insensibilidade de alguns códigos de banco de dados hospital.
Interpretação: Entre os idosos em uso de uma estatina não metabolizado pelo CYP3A4, a co-prescrição de claritromicina contra azitromicina foi associada com um aumento modesto, mas estatisticamente significativo de risco absoluto de resultados adversos em 30 dias.
Leia o Artigo CMAJ (PDF Free):
Leia ainda:
Associação de claritromicina a bloqueador de canal de cálcio pode ser fatal
Veja a apresentação sobre Prevenção Quaternária
Veja nos slides 81 a 101 como uma Redução (ou aumento) do Risco Relativo depende da magnitude da situação estudada:
Links de agências que trazem relatos periódicos:
As seguintes agências publicam relatórios periódicos de efeitos colaterais e interações medicamentosas:
http://www.ema.europa.eu/ema/ (/patient safety folder)
Publicado por Leonardo C M Savassi originalmente em http://medicinadefamiliabr.blogspot.com
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