Insights From the National Cardiovascular Disease Registry’s Practice Innovation and Clinical Excellence Registry
Entenda:
O uso de aspirina para prevenção primária de eventos cardiovasculares permanece no foco da discussão.
A eficácia e segurança da aspirina na prevenção primária de Infarto foi largamente estudada e revisões sistemáticas apontam que eventos coronários maiores são reduzidos em 18% com a aspirina, mas à custa de um aumento de 54% no risco de sangramento maior. Para cada 2 principais eventos coronários prevenidos pela aspirina profiláctica, há um grande sangramento extracraniano.
O benefício da aspirina acaba sendo anulado pelo risco de sangramento, especialmente porque este risco está também fortemente ligado ao risco isquêmico. Mas a prevenção primária com aspirina continua sendo aplicada, não só por causa de sua cardioproteção mas também porque há novas evidências de quimioproteção contra o câncer (veja link para cobertura do Blog ao final).
As orientações atuais são de que seu uso é inapropriado como prevenção primária caso o risco cardiovascular em 10 anos (Framingham) seja inferior a 6%, conforme recomendação:
a) da US Preventive Services Task Force (USPSTF) de 2009;b) da American Heart Association (AHA) em 2011;
c) do Food and Drug Administration (FDA) de 2014; e
d) da European Society of Cardiology (ESC)/ Working Group on Thrombosis.
Obs:
1) A USPSTF recomenda aspirina apenas se há risco superior a 10% nos próximos 10 anos;
2) os links dos estudos acima estão disponibilizados ao final dessa postagem.
Outro ponto é que com o barateamento das estatinas e outras drogas, e com o fato delas já produzirem redução substancial do risco cardiovascular em muitos pacientes, o benefício da aspirina se tornou ínfimo ou nulo.
Entretanto, uma evidência científica não se transforma automaticamente em uma boa prática clínica. Tanto é que, segundo este estudo publicado no Journal of American College of Cardiology (JACC), um número significativo de pessoas estaria recebendo aspirina de maneira inadequada para a prevenção primária de eventos cardiovasculares.
O que este estudo traz:
Embora antes amplamente indicada, as recomendações para o uso de aspirina para a prevenção primária se restringem a pessoas que têm um risco moderado a alto de eventos cardiovasculares nos próximos 10 anos (risco de 6% ou mais).
Usando dados de registro de cerca de 70.000 pacientes que receberam aspirina para fins de prevenção primária, os pesquisadores calcularam que 11,6% apresentaram um risco de 10 anos abaixo de 6% e estavam submetidos ao uso de aspirina.
A comparação das características basais dos pacientes classificados como uso Inapropriado x Apropriado de Aspirina para a prevenção primária de doença cardiovascular encontra-se traduzida na tabela abaixo:
Inapropriado
(n = 7,972) |
Apropriado
(n = 60,836) |
Valor
de p
|
|
Idade (anos)
|
49.9 ±
11.3
|
65.9 ±
11.8
|
< 0.001
|
Masculino
|
1,619
(20.3)
|
28,840
(47.4)
|
< 0.001
|
Etnia
|
|||
Branca
|
3,936
(49.4)
|
32,534
(53.5)
|
< 0.001
|
Negra
|
535
(6.7)
|
3,593
(5.9)
|
< 0.001
|
Hispânica
|
106
(1.3)
|
644
(1.1)
|
< 0.001
|
Tipo de Provedor
|
0.132
|
||
Médico
|
7,591
(96.2)
|
57,788
(96.5)
|
|
Enfermeira
|
251
(3.2)
|
1,679
(2.8)
|
|
Outro
|
52
(0.7)
|
438
(0.7)
|
|
Tipo de Seguro de Saúde
|
|||
Privado
|
5,444
(68.3)
|
35,347
(58.1)
|
< 0.001
|
Medicare
|
1,130
(14.2)
|
30,467
(50.1)
|
< 0.001
|
Nenhum
|
521
(6.5)
|
2,239
(3.7)
|
< 0.001
|
Comorbidades
|
|||
Diabetes
|
344
(4.3)
|
13,753
(22.6)
|
< 0.001
|
Hipertensão
|
4,689
(58.8)
|
51,817
(85.2)
|
< 0.001
|
Dislipidemia
|
5,465
(68.6)
|
50,136
(82.4)
|
< 0.001
|
Tabagismo
|
1,631
(20.5)
|
30,024
(49.4)
|
< 0.001
|
Medicações
|
|||
Inibidor
de ECA
|
1,474
(18.5)
|
22,428
(36.9)
|
< 0.001
|
BRA
|
808
(10.1)
|
13,588
(22.3)
|
< 0.001
|
Beta-bloqueador
|
2,406
(30.2)
|
28,168
(46.3)
|
< 0.001
|
Bloqueador
Canais de Ca
|
726
(9.1)
|
13,738
(22.6)
|
< 0.001
|
Diuréticos
|
1,662
(20.8)
|
23,846
(39.2)
|
< 0.001
|
Estatinas
|
3,789
(47.5)
|
37,104
(61.0)
|
0.001
|
Os valores são média ± DP para idade e n
(%) para os demais.
As mulheres foram mais propensas que os homens a receber prevenção primária inadequada, e as pessoas que receberam aspirina inadequadamente eram 16 anos mais jovem, em média, do que aqueles que receberam aspirina de forma adequada.
Outro ponto relevante deste estudo é que, ao contrário da maioria dos ensaios clínicos que avaliaram a prevenção primária com aspirina em âmbitos de clínica geral, este avaliou a prática diária de ambulatórios de cardiologia.
Há diferença e esta é relevante porque quando a Atenção Primária trabalha como um bom filtro para os especialistas, os cardiologistas atendem principalmente pacientes com doença cardíaca sintomática, que estão além da prevenção primária, ou pacientes sem doença coronariana que vêem um cardiologista por outras razões, tais como dor atípica peito, arritmia ou insuficiência cardíaca, os riscos de eventos coronarianos diferem por exemplo do âmbito da Atenção Primária.
Ou seja, no Brasil, onde a APS não é filtro eficiente para especialistas, e tanto na saúde complementar quanto no sistema público há pessoas que são cuidadas por cardiologistas responsáveis pelo cuidado clínico geral e global, o risco de intervenções maiores baseadas em uma clínica voltada para doentes cardiovasculares se estabelece, e neste ponto o artigo vai exatamente ao encontro da nossa realidade.
Por fim, a demonstração de que possivelmente os colegas cardiologistas estão usando a aspirina de maneira errônea - com danos maiores que benefícios - é um claro exemplo de overtreatment (supratratamento) - que deve ser evitado. Ao menos em pacientes com risco de evento cardiovascular nos próximos 10 anos inferior a 6%.
Como a aspirina é um medicamento de compra livre de receita, a escolha do paciente (muito mais do que a determinação do provedor de saúde) pode contribuir para isto. É importante discutir os riscos e benefícios do uso de aspirina com os pacientes.
Ressalta-se ainda que o benefício do uso de aspirina para a prevenção primária das doenças cardiovasculares em pacientes recebendo terapia com estatina deve ser avaliada, tendo em vista o exposto até aqui.
Acesso ao Artigo:
Acesso ao artigo (livre via Periódicos CAPES):
Acesso ao Editorial sobre o artigo
(Ou tente acesso via periódicos CAPES)
Cobertura do Blog Medicina de Família BR sobre Aspirina na Prevenção Primária de DCV:
13 Jan 2012
15 Jul 2011
04 Jun 2010
04 Nov 2009
13 Ago 2014
Acesso ao Statement de 2014 do FDA:
Acesso ao Position Paper de 2014 da ESC:
Acesso ao Guideline da AHA:
Acesso as recomendações a USPSTF:
Publicado originalmente por Leonardo C M Savassi no Blog http://medicinadefamiliabr.blogspot.com
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