Demografia Médica no Brasil O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou no mês de dezembro deste ano, uma pesquisa acerca da distribuição de médicos no país. A publicação do CFM consolidou dados que já conhecíamos, como o aumento do número de médicos por habitante, bem acima do crescimento populacional, e a feminilização da medicina.
A publicação começa reforçando a desmistificação de uma falácia: a de que existiria um número ideal de médicos por habitantes, conforme a própria Organização Mundial da Saúde já se encarregou de desmentir. Esta proporção ideal inexiste porque levaria em conta tantos fatores que exigiriam tecnicamente uma recomendação para cada país.
O Brasil tem, segundo o CFM, 1,95 médicos registrados por 1.000 habitantes. Um dado anterior apontava o Brasil com 900 habitantes por médicos. De qualquer forma, somos o país do mundo com um dos maiores números de escolas médicas, o que não necessariamente se traduziu em uma boa distribuição de profissionais de acordo com as necessidades.
O estudo "Demografia médica no Brasil" também confirma o que já sabíamos: grande concentração de médicos na região sudeste e sul, seguindo naturalmente a concentração em centros que oferecem melhores condições de trabalho e possibilidades de formação e capacitação, tanto para estados (Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo), quanto para grandes centros urbanos.
Um dado deve chamar a atenção dos gestores: quanto mais desenvolvida é uma região, menor é a desproporção entre a ocupação do serviço público e o privado: em locais que oferecem melhores condições de vida, há menos dificuldade em se conseguir médicos para o subsetor público, mesmo considerando que os estados mais ricos têm o maior mercado de trabalho no subsetor privado (ou suplementar). A fixação não se resume a incentivos e remuneração. Ela é multifatorial.
Praticamente metade dos médicos brasileiros (44,9%) não tem especialidade alguma. Ao contrário de países em que o generalista é o “especialista em áreas básicas” (medicina de família e comunidade, pediatria, clínica médica e ginecologia/ obstetrícia), o Brasil conta com o “generalista não-especialista”, que é aquele que não se especializa, não está sujeito a recertificação e ingressa no mercado de trabalho, geralmente nas equipes Saúde da Família ou em Pronto Atendimentos (UPAs, UAIs, PAs e afins).
Não seria exigir demais que a academia forme um generalista pleno? Afinal, há relatos de levantamentos de faculdades de medicina renomadas que apontam que o curso de medicina aumentaria para nove a doze anos se fossem considerados os conteúdos mínimos exigidos pelos seus departamentos.
O generalista é, no mínimo, um médico sem experiência, e o Ministério da Saúde, na nova Política Nacional de Atenção Básica (2011), coloca no mesmo patamar: generalistas não especialistas, especialistas médicos de família e comunidade e generalistas especializados em cursos teóricos. E é fundamental perceber, na pesquisa do CRM (especialmente nas páginas 70-72), que não se trata simplesmente da falta de “generalistas especialistas”, mas sim de uma péssima distribuição deles e da falta de mecanismos de formação nas áreas remotas.
Apenas em Medicina de Família e Comunidade poderíamos afirmar que há falta de especialistas para o número de vagas, afinal, somos 1.426 médicas de família (54,2%) e 1.206 médicos (45,8%) totalizando 2.632 especialistas em MFC registrados (o número real é certamente bem maior, considerando mais de 400 vagas de residência no país além do número de titulados anualmente). Ainda assim, não se pode ignorar a enorme discrepância na distribuição:
Especialmente quando comparamos com o número de Equipes de Saúde da Família implantadas:
Situação de Implantação de Equipes de Saúde da Família,
BRASIL - AGOSTO 2011
Fonte: SIAB; SCNES; BRASIL, 2011
Em 2011 o Ministério criou uma série de iniciativas visando à interiorização de médicos, em especial para atuarem na Estratégia Saúde da Família, tão intensas que uma portaria ministerial (GM 2.027) de 25/08/2011, que definia equipes mínimas, foi revogada em 21/10/2011, pela Nova Política Nacional de Atenção Básica.
O bônus em provas de residência para generalistas não-especialistas que atuem em equipes de Saúde da Família é inóquo, embora melhor que a reserva de 50% de vagas, projeto de Lei 1363/2011, arquivado na Câmara dos deputados, ou que o "Serviço Civil Obrigatório".
A flexibilização de carga horária de médicos responde aos apelos de gestores por recursos para equipes “não-Saúde da Família” e arranjos “possíveis”, e não a fixação de médicos, e ainda sob incentivo federal (PAB variável), descaracterizando vários dos princípios da Estratégia Saúde da Família. Uma solução provisória em um país acostumado a transformar o provisório em definitivo.
Às proposições acima, duas outras respostas a médio prazo são possíveis, e já foram inclusive discutidas em momentos anteriores (não inventar a roda):
1) Concurso público estadual, com alocação municipal, onde médicos iniciam em municípios de pequeno porte podendo migrar para municípios maiores, respeitando o desejo e interesse do médico em permanecer onde está, caso queira. Como já ocorrem com Promotores Públicos, que têm salários bem acima dos hoje praticados na área da saúde;
2) Programa de Residência Médica integrado ao serviço “civil” voluntário ou “militar” obrigatório. Ao invés de um profissional recém-formado, menos experiente, que já é alocado com a garantia da perda do vínculo daí a um ano, porque não ser este o primeiro ano de residência (R1), de carga ambulatorial, supervisionado via médicos do exército e pelo Telessaúde, que pode ter garantia de continuidade em um R2 hospitalar ou ambulatorial.
Por fim, é fundamental ao gestor federal entender que o médico fixa-se geralmente onde faz sua residência médica, porque é quando costuma entrar no mercado definitivo de trabalho. Falar em fixação de recém-formados com um horizonte profissional indefinido meramente por incentivos não é parece ser uma política perene e de longo prazo para nosso país.
Leia a pesquisa do CFM na íntegra:
Leia matéria com Leonardo Savassi no Jornal da AMMG:
Artigo por Leonardo C M Savassi